En Man Som Heter Ove (Um Homem Chamado Ove), de Hannes Holm – Suécia (2015)
Este filme cómico e simultaneamente triste é baseado na obra de Fredrik Backman e foi uma agradável surpresa. Ove, um velho rezingão que nunca dá o braço a torcer e que tem que ter sempre a última palavra, parece ser o homem mais rabugento e amargurado do mundo, especialmente depois da perda da esposa, que ele adorava e que conheceu quando ela lia “O Mestre e a Margarida” de Bulgakov, numa viagem de comboio, e depois de ser despedido. Sem qualquer objectivo de vida planeia juntar-se à mulher mas vê-se obrigado a adiar o seu fim para ajudar a resolver, muito contrariado, uma série de situações provocadas pela vizinhança. No final acaba por ser acarinhado pelo grupo improvável de personagens que vai reunindo à sua volta (contrariado, claro) e por isso esta história fala-nos de amizades inesperadas e do impacto profundo que podemos ter na vida dos outros. Não aconselhado a quem não possuir um Saab! (Ah e se possuir um Audi é favor não esquecer que tem 5 zeros: 4 à frente e um ao volante…).
Toni Erdmann, de Maren Ade – Roménia, Áustria, Alemanha, Suíça (2016)
Filme dramático com tons de comédia, sobre o sentido da vida, com uma história a centrar-se na relação entre um pai sexagenário e uma filha (Sandra Hüller com uma brilhante interpretação), ele professor de música e ela uma empresária a trabalhar numa multinacional em Bucareste. Após a morte do seu cão, o pai, Winfried, decide deslocar-se à Roménia mas o primeiro contacto com a filha foi desastroso. Assim decide inventar um estranho alter ego - Toni Erdmann - numa tentativa de se aproximar da filha e reatar laços familiares, acabando por provocar um confronto geracional ao lhe tentar demonstrar os verdadeiros valores da vida. Ao longo do filme, que ultrapassa as duas horas e meia (mas ouve-se “Greatest Love Of All” de Whitney Houston e assiste-se a uma naked party!) também é feito um retrato satírico da sociedade capitalista, cada vez menos humanista e mais desrespeitadora da identidade individual. O que é a felicidade?
Forushande (O Vendedor), de Asghar Farhadi – Irão, França (2016)
Um casal de actores (Ranaa e Emad) que são protagonistas de uma produção local da emblemática peça "A Morte de um Caixeiro Viajante", escrita por Arthur Miller em 1949 e premiada com o prémio Pulitzer, vê a sua vida íntima ser perturbada quando se mudam para uma casa que terá pertencido a uma prostituta. A história vai-se desenrolando lentamente no ambiente claustrofóbico de um bairro de Teerão e ganha intensidade dramática gradualmente, culminando numa situação de enorme tensão, onde o dilema vingança / perdão tem de ser enfrentado, isto após o membro feminino ter sido vítima de uma violação por parte de um estranho. Shahab Hosseini é soberbo a desempenhar o marido no ajuste de contas com o criminoso: alguém focado, assertivo, calmo, sem deixar escapatória ao outro que gere muito bem a sua surpresa, indignação e horror. A vingança é um prato que se serve frio e sem gritos, com um auto-controlo magistral. Adorei aquela tensão final, feita de muita inteligência emocional, quando os personagens são confrontados com escolhas difíceis, em que as mais profundas convicções são postas à prova. O jovem casal "envelheceu" com o perdão. A vida fez justiça.
Tanna, de Martin Butler e Bentley Dean – Austrália (2015)
Este filme foi gravado na ilha de Tanna, em Vanuatu, um pequeno país insular da Oceania e os seus actores são todos habitantes nativos da ilha sem qualquer experiência anterior e falam no filme a linguagem local, o idioma Nauvhal. A história é baseada num acontecimento real: o amor proibido entre Wawa e Dain (pertencentes à tribo Yakel) na década de 80. A narrativa desenvolve-se sob o ponto de vista de Selin, a irmã mais nova de Wawa, uma criança encantadora. Historicamente, na luta pela sobrevivência, a tribo Yakel travou lutas sangrentas com outra tribo, a Imedin e, na iminência de um novo conflito, Wawa, é prometida como noiva ao filho do líder da tribo Imedin para que houvesse paz. O problema é que ela está apaixonada por Dain, neto do líder da sua tribo (aqui é impossível não nos recordarmos de Romeu e Julieta!). Desesperados, os jovens apaixonados têm de decidir entre fugir e ser felizes juntos ou zelar pelo futuro da sua tribo. Esta escolha pareceu-me demasiado previsível…
I, Daniel Blake, de Ken Loach – Inglaterra, França, Bélgica (2016)
Este filme obriga-nos a reflectir sobre o mundo em que vivemos, que permitiu a ascensão de um modelo socialmente imoral e canibalizador da dignidade humana e a existência de um Estado que, indolentemente, se arrasta pela sua indiferença, ineficácia e desumanização. Daniel Blake (Dave Johns ) é um viúvo solitário sem filhos pertencente à classe operária de Newcastle. Tem 59 anos, mas ainda está completamente apto para trabalhar. Infelizmente para ele, logo após a morte da esposa, sofreu um ataque cardíaco que o impede de retomar o trabalho. Para usufruir de benefícios sociais tem de se dirigir ao equivalente inglês da nossa Segurança Social e mendigar a pensão de invalidez a que tem direito. Só que tudo funciona através de call-centers e de formulários online, uma espécie de processo Kafkiano da burocracia. E Daniel nunca tocou num computador… Pior, se não responder da forma que os seus interlocutores estão à espera, penalizam-no retirando parte do subsídio. Ninguém o ajuda, o tempo vai passando e ele desespera… Numa das estações desse calvário, Daniel apercebe-se duma família igualmente em dificuldades. Uma mulher com cerca de trinta anos, com dois filhos, não tem dinheiro nem condições para viver. A partir daquele momento, o carpinteiro desdobra-se. Por um lado, continua o seu martírio junto da Segurança Social, por outro, dedica-se a ajudar os membros desta família, reparando a casa onde sobrevivem, comprando-lhes alguma comida, acompanhando a mãe às filas de beneficência alimentar. Fá-lo sem outro interesse que não seja o de ajudar. Mas o desespero dela e a falta de paciência dele acabam por se impor de forma dramática… Em última análise este filme, que deveria ser obrigatório para qualquer político ou aspirante a político, acaba por explicar o Brexit, pois os problemas retratados oferecem uma justificação para que a população mais idosa do Reino Unido tenha tido um peso fundamental na escolha pela saída da União Europeia.