sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Robert Wilson – Último Acto em Lisboa




Porque é que os estrangeiros vêem o nosso país e a nossa história de uma forma mais clara e acertada do que nós próprios? Esta questão há muito que me preocupa e fascina. Mas fiquemo-nos por este livro.

O autor, inglês, é conhecido internacionalmente como escritor policial. No entanto, nesta obra, ele vai bastante além das fronteiras do género.

Antes de mais nada deve dizer-se que não é um livro ambicioso, embora muito extenso. Não é um livro brilhante, mas lê-se com tremendo agrado. A narrativa de Wilson tem qualquer coisa de muito peculiar: sem imprimir um ritmo muito acelerado à ação, ele nunca deixa de nos prender totalmente a atenção. Por outras palavras: a qualidade da sua escrita permite criar uma envolvência tão grande que o autor se pode dar ao luxo de imprimir um ritmo por vezes algo lento, a não ser talvez nas últimas páginas.

Mas o que mais me impressionou neste livro foi a leitura tão clara, concisa e acertada que o autor faz da participação indireta de Portugal na Segunda Guerra Mundial. Ele desmonta como nunca ninguém conseguiu, o velho erro que muitos de nós cometemos ao acreditar piamente que Salazar nos manteve afastados da guerra. Pelo contrário, Wilson demonstra-nos com clareza a forma descarada como o ditador negociou com Hitler, fornecendo-lhe o volfrâmio que ajudou a matar tantos milhões de pessoas, ao mesmo tempo que negociava também com a outra parte, os ingleses. Ao mesmo tempo, explica-se como o ouro nazi veio parar a Portugal, ouro sujo pelos crimes perpetrados contra os judeus e não só. Assim, retrata-se um Portugal afundado na miséria, enquanto Salazar dormia sobre o ouro nazi.

Mas também a revolução de 25 de Abril tem lugar neste livro; mais uma vez, vista de forma muito clara e objetiva, mostrando-nos mesmo algumas facetas pouco esclarecidas pelos (talvez envergonhados) escritores portugueses; é o caso, por exemplo, da história ainda muito mal contada da fuga dos "Pides" para o Brasil e da inserção de outros, muitas vezes camuflados, nas forças de segurança do Portugal democrático. Dessa forma, muitos criminosos da tortura fascista acabaram por se integrar cobardemente na sociedade democrática, muitas vezes com falsas identidades.

Em termos formais, este livro apresenta-se também de forma muito interessante, com duas estórias separadas no tempo (anos 40 e anos 90), mas que acabarão por se cruzar nos finais da década de 90 do século XX. O enredo é digno da melhor literatura policial. O estilo é direto, objetivo, fácil. Enfim, um livro muito agradável para ler em férias, mas também uma obra cheia de informações preciosas para quem pretende conhecer melhor o século XX português.

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