Antes de tudo, este livro é um brilhante testemunho da História da India no século XX, nascida de um passado brilhante mas vítima da opressão e exploração europeia. A Índia foi sucessivamente delapidada por Impérios europeus: primeiro os portugueses, depois os franceses e holandeses, finalmente os Ingleses, os senhores da Civilização e da opressão. Mais uma vez, o tema tantas vezes debatido e sempre tão actual: o choque de culturas.
A acção decorre na Índia pós-colonial onde ainda se debate a contradição entre o paradigma civilizacional inglês e a prevalência de uma cultura ancestral identificada com as raízes religiosas e mentais mas que, ao mesmo tempo, envolve um quadro socio-económico arcaico. A pobreza está por todo o lado, justificando um misto de ódio e admiração pelos ingleses: ódio por parte daqueles que lhe atribuem a causa de todas as desgraças, admiração por parte daqueles que se encontram revoltados perante o conservadorismo da sociedade tradicional indiana.
Trata-se da relação colonizador/colonizado por detrás da luta entre a tradição e uma modernidade tão atractiva como decepcionante. Mas há algo mais que isso: o conflito entre a pobreza e a riqueza, o dilema entre a tradição e a modernidade, o pôr em causa dessa mesma modernidade; a dúvida entre o aceite e o imposto. Por outro lado, o conflito político; o dilema daqueles que serviram um senhor que se revelou opressor. E a América, sempre a América como pano de fundo de uma esperança apenas aparente. A revolta perante um mundo de desilusão; a vida destruída entre conflitos que se impõem de um exterior vasto e devorador: os ingleses mas também a fabulosa América que inebria e corrói. A liberdade conquistada e o choque brutal com um país onde a liberdade, frágil construção humana, deixa germinar outras guerras. As minorias. Os nepaleses e o desejo de libertação. A violência no reino da tradição.
Este é um livro sobre a solidão. Sobre almas que pendem sob os Himalaias, dependuradas num destino fabricado noutras paragens, por outras gentes. A civilização, admirada nos odiados ingleses avassala este mundo de personagens humildes e pobres. Sim, porque aqui, nesta Índia à procura de identidade, nem os ricos são ricos: todos sofrem, mesmo que de solidão. Fica a escrita brilhante tirada das profundezas da alma. Uma escrita sentida, cuidada e muito pessoal.
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