Uma humanidade inteira que escapa à sua condição de ser coletivo; apenas uns milhares, quiçá milhões de indivíduos como uma soma imensa de egoísmos. Não há solidariedade; não há como acreditar nos outros; há, isso sim, uma guerra perpetuada pela desgraça, um rumo negro chamado destino.
Cegos somos todos. Este mundo traçado por Saramago em pinceladas de escuridão não é mais que uma imensa e monstruosa metáfora da sociedade humana em que nos afundamos. Uma sociedade humana sem humanidade. Sem luz nem redenção.
Este é talvez o livro em que Saramago assume o discurso narrativo mais objetivo, mais concreto. A mensagem metafórica concilia-se de forma notável com a objetividade da escrita. Só um génio conseguiria esta síntese, esta simbiose entre a estória e a mensagem; entre o concreto e o subliminar; entre o mundo das imagens e o universo das ideias.
Mas ao longo do livro, misteriosamente, um enorme oásis de sentimento se vai abrindo, como uma grande mancha de sol: a esposa do médico, uma mãe coletiva, assume-se como o anjo protetor e traço de união entre os cegos.
Globalmente, estamos perante uma refinada crítica social; uma espécie de grito de revolta perante uma sociedade tipicamente entorpecida pelas estruturas burguesas capitalistas, que a conduziram a um individualismo extremo. A cegueira dos personagens representa a forma egoísta com que o ser humano se distancia do seu semelhante, transformando a sua própria vida numa imensa solidão.
Muito interessante e significativa, também a forma como Saramago explora o incremento da capacidade auditiva nos cegos. O poder do que se diz, das mentiras e boatos; a capacidade que o ser humano tem para acreditar e fazer acreditar em pseudoverdades que só contribuem para o desastre coletivo da sociedade em que nos encontramos mergulhados.
De uma forma geral, a película está bem feita, do ponto de vista narrativo e do ponto de vista cinematográfico, tem um leque excelente de atores, uma excelente interpretação da Juliane Moore e é fiel ao livro, no sentido de provocar no espectador (da mesma maneira que o livro sugeria ao leitor) uma multiplicidade de interrogações acerca da tão complexa desumanidade inerente à natureza humana.
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