segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Antonio Garrido - O Leitor de Cadáveres


Com uma capa e tema cativantes, este “O Leitor de Cadáveres” está muito bem arquitectado, com uma excelente pesquisa histórica onde se mistura ficção e realidade proporcionando um retrato duro e cruel da china imperial.

É uma espécie de policial histórico, cheio de ritmo, suspense e emoções, com mistério, intriga, crimes para solucionar e muitas reviravoltas. Baseia-se numa personagem histórica real do século XII, Song Cí, de origem chinesa, considerado o primeiro médico legista da História, que publicou o primeiro tratado da ciência forense de que há memória.

Na primeira parte do livro, Cí, de 20 anos, é apresentado como um rapaz humilde, lutador, culto e inteligente que é confrontado com uma série de adversidades indissociáveis da época: a morte das suas duas irmãs mais novas; a condenação à morte do seu irmão Lu e consequente execução; a morte dos pais após uma explosão na sua habitação; a excomunhão da sua aldeia e o título de fugitivo; vítima de assalto e envenenamento por uma flor – Aroma de Pêssego – ficando sem o barco que estava à sua responsabilidade e sem a sua irmã; pobreza extrema vivida com a irmã quando chegou à cidade de Lin’an; participação no mortal “desafio do dragão” pela segunda vez na sua vida; assunção de que o seu pai foi condenado por corrupção (e por isso não pode obter o seu Certificado de Habilitações); a morte trágica da irmã Terceira; problemas com o seu colega de quarto Astúcia Cinzenta na academia Ming e o cruzamento com o adivinho Xu, vigarista cruel, numa cidade onde abundam os “vadios, mendigos, assassinos, fura-vidas, bonecreiros e charlatães.”

Na segunda parte, Cí é-nos apresentado como "O Leitor de Cadáveres", onde se destaca a sua obsessão pelos estudos, pela busca do conhecimento, uma vontade constante de aprender e, acima de tudo, o desejo de inovar na sua “arte”, de criar métodos e técnicas que marcaram os primeiros passos numa ciência preponderante na actualidade. Destaco a forma como soluciona um assassinato à frente do mestre Ming, envergonhando o seu melhor aluno (Astúcia Cinzenta), o ingresso na academia Ming e a posterior chegada ao palácio Imperial, a convite do próprio Imperador! E mais não conto… Apenas acrescento que, na minha opinião, existe uma pequena falha: o autor termina o texto sem fazer qualquer alusão ao destino de Astúcia Cinzenta.

Algumas curiosidades: a doença de Cí; os costumes da época (como o luto de três anos pela morte de um dos pais e o consequente abandono da vida pública) por vezes difíceis de aceitar; a referência à vida sexual desta época com termos como o “talo de jade” e a “caverna do prazer”, incluindo abertamente o tema da homossexualidade; a punição de qualquer falha com pesados castigos físicos; a referência à primeira arma de fogo (handgun) e o nome das personagens (Lu, Terceira, Cereja, Shang, Aroma de Pêssego, Feng, Kao, Bo, Bao Pao, Senhor do Arroz, Coração Suave, Astúcia Cinzenta, Suave Golfinho, Mestre Ming, Ningzong, Xu e a nushi Íris Azul), que é justificado na Nota de Autor que consta no final da obra, onde também disserta sobre o que é um romance histórico. O livro termina com um pequeno glossário e uma resenha biográfica do “verdadeiro” Song Cí.

Antonio Garrido através de uma leitura simples leva-nos a tentar compreender como as pessoas viviam nessa época, como se comportavam, como se vestiam, o que comiam, recheando assim a narrativa com dados que trazem realismo à acção. Consegue prender o leitor com tanta força que é difícil largar o livro antes de chegar a ultima página, o que facilitou a leitura compulsiva destas 500 páginas em 5 dias, sempre com os sentidos pregados ao livro. Fascinante!

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