quinta-feira, 6 de novembro de 2014

João Ricardo Pedro - O Teu Rosto Será O Último


O Teu Rosto Será O Último” é claramente o meu livro preferido dos já laureados pelo Prémio Leya (considerando “O Rastro do Jaguar”, “O Olho de Hertzog”, “Debaixo de Algum Céu” e “Uma Outra Voz”, e excluindo o recentíssimo e ainda não lido “O Meu Irmão”). É um romance com uma capa magnífica, um título apelativo, sobre a origem de destinos, repleto de questões pertinentes pensadas ao detalhe que nos levam a um número infinito de interrogações apoiado em imagens, citações e palavras fortes para descrever uma perturbadora e cruel realidade portuguesa.

O enquadramento da narrativa na História recente portuguesa (de 1934 a 1974) está enraizada num cenário muito português onde a descrição de acontecimentos, hábitos e costumes, não só lhe conferem realismo, como também permitem uma certa identificação com as personagens, nomeadamente no que diz respeito à vida no interior do país.

O enredo até é simples, por vezes deixando-nos apenas seguir superficialmente a vida de três gerações de uma família e dos que a rodeiam. Conta a história de Duarte, um jovem talentoso que se revolta contra o seu próprio talento de pianista, do seu pai António Mendes, marcado pela guerra colonial e do seu avô médico Augusto Mendes, através de pequenos contos que se vão ligando como uma manta de retalhos que nunca se completará: a obstipação do Amável, as habilidades dos ciclistas da Volta, a trombose do avô Augusto, a data da morte do gato Joseph, os olhos do gato Ezequiel, a reacção do amigo Índio ao ouvir a sonata 21 de Beethoven, os tremeliques do barbeiro Alcino, a história da caneta Mont Blanc, a “madrinha de guerra” ou a relação com a professora de canto eslovaca.

Pontos de interesse: a ligação à música (a oferta do piano, Mozart, Beethoven, Bach, Hindemith e toda a nomenclatura musical utilizada), à arte (o delicioso pormenor da misteriosa obra de 1559, “A Luta Entre o Carnaval e a Quaresma”, do pintor flamengo Pieter Bruegel - reproduzida abaixo), ao cinema (o filme She Wore a Yellow Ribbon), a magia das mais de quarenta cartas de Policarpo e um poema de Camões. No entanto, o autor da obra parece abusar de palavrões e de alguma pontuação e também não compreendo a necessidade daquela extensa e monótona lista de compras de supermercado apresentada na página 130…

João Ricardo Pedro escreve de forma simples e natural, com avanços e recuos no tempo. As descrições das personagens, dos lugares e das situações são cheias de vida, conferindo uma grande satisfação ao longo das páginas. A leitura é envolvente mas requer a atenção do leitor. Apesar de por vezes o texto parecer desconexo, com o decorrer da leitura, percebemos que (quase) tudo se vai conjugando e que o enredo se torna melancolicamente belo.

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