sábado, 16 de setembro de 2017

Philip Roth - Pastoral Americana


Este livro aborda sentimentos contraditórios sobre a América: o orgulho de ser americano e o ódio pelo que a América representa (decadência). A América como terra das oportunidades e como símbolo supremo do mal, uma existência em dois pólos antagónicos que Roth reproduz na perfeição.

O homem comum. Os seus sonhos normais. O desejo de ser feliz, de viver uma vida pacata e envelhecer junto daqueles que mais ama. Philip Roth não escreve sobre homens excepcionais, prefere expor as excepcionais vidas dos homens banais, as suas frustrações, medos e ridículos. Mas em “Pastoral Americana” Roth vai mais longe: constrói o paradigma do sonho americano – um belo atleta, Seymour Levov, louro (“Sueco”) abastado, objecto de uma adulação total, acrítica e idólatra, casado com uma ex-miss New Jersey, Dawn – apenas para o destruir. Uma destruição repentina e gratuita, como costumam ser os acontecimentos que mudam vidas.

O narrador Nathan Zuckerman que emerge na (curtíssima) primeira parte do livro esconde-se na segunda, deixa que a figura de Levov ocupe o palco, e com ele toda uma geração que entrou em colapso a partir dos anos 60. Porque também se fala disso. Da revolução sexual que se transformou em revolução de costumes, e dos valores que foram substituídos na passagem de geração. E do Viename, sempre o Vietname…

Os problemas da família perfeita de Seymour Levov, a quem “um dia a vida começou a rir-se dele e nunca mais parou”, começam com a gaguez da filha, Merry, que surge inexplicavelmente como uma premonição. Levov teme que aquele problema seja um reflexo de algo de errado que se passa com a sua filha, mas pouco consegue fazer para ajudá-la. Os seus sentimentos de culpa aumentam quando, num momento algo irracional, decide ceder aos pedidos da filha para a beijar na boca. Aquele instante é vivido por Levov como um incesto, um quebrar de regras que potencialmente terá aberto as portas à loucura futura.

Merry, que se considera “a mais feia filha jamais nascida de pais atraentes”, frustrada com a gaguez, por se sentir aquém das expectativas dos pais, à medida que vai crescendo começa a desenvolver uma obsessão por questões políticas, mais especificamente pela Guerra do Vietname. Esse sentimento transforma-se rapidamente num repúdio do estilo de vida americano, contra todo o modelo de vida capitalista, contra a pastoral burguesa. Em causa estava, por exemplo, a procura de mão-de-obra barata. A crise económica, da qual a ruína da indústria das luvas é um símbolo, vai dando lugar à crise social. Multiplicam-se os movimentos de contestação e os atentados. O livro de Roth torna-se premonitório em relação à América actual. Levov assiste passivo à perda da sua filha, sem a conseguir controlar, temendo que o pior possa acontecer. E acontece.

Uma bomba explode perto da casa dos Levov matando uma pessoa. De uma idealista radical, Merry, para quem “a vida é apenas um curto período de tempo em que estamos vivos”, passa a criminosa procurada. A vida dos Levov é estilhaçada pela bomba, com o Sueco a passar dias e dias a tentar perceber o que correu mal. “Porquê? O que fiz eu para a minha filha se tornar numa assassina?” pergunta Levov, enquanto a sua mulher se afunda numa depressão e a filha se mantém em fuga. A incompreensão do sueco Levov perante os actos de Merry é um espelho da atitude da América em relação a si própria.


American Pastoral
(“Uma História Americana”), de 2016, é o primeiro filme realizado por Ewan McGregor, que partilha o protagonismo com Jennifer Connelly e Dakota Fanning. Compõem a família Levov, que se desmorona quando a filha se une a grupos radicais nos Estados Unidos que protestam de forma violenta contra a Guerra do Vietname. Aqui, a transformação da sociedade americana nos anos 1960 carece de alguma força dramática presente no livro de mais de 400 páginas. No entanto, trata-se de um filme com alguma actualidade política, pois deparamo-nos com uma América de identidade dolorosamente estraçalhada, com as suas gerações separadas de modo radical. São temas e sinais com 50 anos, mas interiores ao nosso presente. 

Como curiosidade cá vai um erro que detectei no minuto 37 da película, digno de pertencer ao sempre interessante site moviemistakes.com, quando durante uma conversa entre Merry e o seu pai, numa mudança de plano, a capa de um LP (ao centro) passa inexplicavelmente a contra-capa e desaparece o disco que estava à sua frente…



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