quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Os Melhores Filmes de 2020

2020 terá sido, provavelmente, um dos anos mais estranhos da história do cinema, mas não foi por isso que deixou de haver bom cinema para ver. 

A pandemia veio baralhar as contas a todos, e a indústria cinematográfica atravessou um ano atípico mas desafiador, com rodagens e estreias canceladas ou adiadas. Este cenário acabou por possibilitar o fortalecimento dos serviços de streaming. 

O cinema, nos melhores e piores momentos, é um modo de viajarmos sem sair do lugar e descobrirmos outras histórias e realidades possíveis. Na minha opinião, os filmes de 2020 que me proporcionaram as "viagens" mais fascinantes foram:

1. Better Days

Shaonian de ni”, título deste filme de Hong-Kong, realizado por Derek Tsang, onde uma adolescente que sofre de bullying forma uma amizade inesperada com um jovem misterioso que a protege de agressores, enquanto tem de lidar com a pressão dos exames finais do ensino secundário para entrar na universidade. Apesar da excessiva manipulação sentimental, trata-se de uma acutilante história sobre bullying levada à violência extrema. “This used to be our playground”... 
  
 


2. Druk 

Conhecido também por “Another Round” este filme dinamarquês de Thomas Vinterberg também é ambientado numa escola secundária onde quatro professores parecem ter chegado à crise de meia-idade e, numa noite, enquanto afogam as mágoas e partilham as suas histórias infelizes, decidem experimentar um estado de embriaguez (crescente) mesmo quando dão as suas aulas. O filme termina magistralmente ao som de “What a Life” de Scarlet Pleasure.

 


3. Promising Young Woman 

A excelente Cary Mulligan é uma ex-estudante de medicina que, traumatizada por algo que aconteceu à melhor amiga no passado, decidiu largar tudo e ainda não sabe o que fazer da própria vida, exceto aterrorizar homens que tentam abusar dela, fingindo-se de bêbada em bares da cidade. Filme feminista de Emerald Fenell, com um humor sóbrio, por vezes desconcertante mas no final, que é excelente, há uma reviravolta deliciosa de contemplar, tal e qual uma ópera que atinge o seu ápice supremo nos momentos finais...

 


4. Sound Of Metal 

Com uma prestação arrebatadora de Riz Ahmed, este filme de Darius Marder, leva-nos numa viagem sensorial que nos desperta para um mundo pouco representado no cinema onde não há nada mais revelador que o próprio silêncio. Um baterista de uma banda de metal que, subitamente, começa a perder a audição e tem de mudar completamente a sua vida até perceber que existem outras formas de viver...



5. Quo Vadis, Aida?

Co-produção entre nove países europeus, este filme desconcertante de Jasmila Zbanic, baseado em factos verídicos, acompanha a vida de uma professora (a soberba Jasna Djuricic), que também é tradutora das Nações Unidas, e que tenta salvar o marido e os filhos durante o massacre de Srebrenica, em julho de 1995. O filme não é fácil de suportar e só quem se sente mentalmente preparado deve aventurar-se neste flagelo cinematográfico que mostra os horrores do genocídio num dos períodos mais negros na História Europeia após a 2ª Guerra Mundial (neste caso com a inação criminosa das Nações Unidas).

 


6. First Cow 

Belíssimo filme realizado por Kelly Reichardt que conta a história de uma amizade no século XIX, construída nos detalhes e silêncios da rotina de dois homens, Otis “Cookie” Figowitz (John Magaro), padeiro que viaja com um grupo de caçadores e King-Lu (Orion Lee), que decidem roubar o leite da única vaca da região para a produção de doces e que acabam por encontrar, um no outro, o conforto que o verdadeiro companheirismo pode trazer. Construída com a calma do cinema mais contemplativo e “natural”, tanto no sentido de naturalista quanto de ligado à natureza (os animais, as plantas e os humanos), o que poderá afastar muitos espectadores, a longa-metragem logo na imagem inicial revela o destino que aqueles dois homens terão, restando apenas a descoberta das suas circunstâncias exatas. Uma obra profunda ao conseguir debater as injustiças do capitalismo que são refletidas no mundo moderno.

 


7. Corpus Christi 

Filme polaco realizado por Jan Komasa e baseado em factos reais que aborda a religião católica e que investiga em detalhe questões como as vocações e celibato sacerdotal, além da estranha dinâmica social de uma pequena comunidade, que incorpora um novo sacerdote (fabulosa interpretação do jovem protagonista Bartosz Bielenia), que esconde a sua verdadeira identidade.

 


8. I Care A Lot 

O que mais apreciei neste filme de J Blakeson foi a impressionante prestação de Rosamund Pike (aqui é Marla Grayson, uma guardiã do estado que cuida dos mais idosos) e do seu argumento: um médico seleciona um paciente mais idoso, de preferência doente (se for demência melhor ainda), no entanto com sólidas poupanças e bens materiais; depois um juiz assina uma ordem do tribunal que afirma que este idoso não é mais capaz de cuidar dele próprio e é necessário nomear alguém para o fazer; por fim, uma guardiã entra em contacto com o idoso, com a ordem do tribunal a dizer que terá de ir para um lar, mas que a sua casa e os seus bens vão ficar bem entregues. O que menos apreciei foi o fim da história...

 


9. Listen 

Filme muito realista, aborda o drama de um casal português emigrado, a quem os serviços sociais retiram, injustamente, os filhos por suspeitas de maus tratos. O filme de Ana Rocha de Sousa espelha a luta pela união de uma família após um erro irreversível mas também é um filme que tornar-se-ia ainda mais envolvente se adotasse uma estrutura mais complexa. O tema final “Hold My Hand”, cantado por Nessi Gomes, traz toda uma nostalgia que realça os momentos mais duros do filme.

 


10. Never Rarely Sometimes Always 

Este filme sobre amizade, machismo e aborto, constitui uma crítica social contada de uma forma única, crua e transparente. Autumn (Sidney Flanigan), é uma jovem de 17 anos que decide abortar aos 17 anos e conta com o apoio da prima e amiga incondicional Skylar (Talia Ryder). O título do filme de Eliza Hittman corresponde às respostas a um questionário de escolha múltipla sobre experiências potencialmente marcadas pela violência sexual, física ou psicológica, pronunciadas no interrogatório devagar e pesarosamente como uma facada no coração e é quando percebemos o motivo da gravidez ser indesejada. O preenchimento do questionário constitui o momento principal do filme ao revelar todos os medos, aflições e dores da protagonista. Sharon Van Etten participa como atriz (é a mãe de Autumn) e também se ouve na parte final do filme em “Staring At A Montain”.

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