domingo, 1 de dezembro de 2013
José Eduardo Agualusa - Milagrário Pessoal
A leitura deste livro constituiu uma agradável surpresa e recomendo vivamente a sua leitura, principalmente para os amantes da língua portuguesa, da história das palavras, dos neologismos, das suas profundas mutações nos deslocamentos geográficos. Aqui, o enredo são os vocábulos fascinantes da nossa língua e toda a mestiçagem cultural envolvente pois Agualusa oferece ao leitor uma polifonia multicultural de vozes. A título de exemplo leia-se na página 51 (reproduzida na imagem seguinte) as palavras raras utilizadas para efetuar uma referência às profissionais do sexo, começando logo pelas “messalinas”… Outras curiosidades encantadoras: a “língua dos pássaros”; a referência à correspondência de Camilo Castelo Branco; a bela cidade de Olinda (Pernambuco); o significado do título da obra; dezenas de palavras “esquecidas” como lupanar, solipso, onanismo, haicai, tabuísmo, prosódia e o concurso das 10 palavras preferidas. Também fiquei a saber que o poeta francês Saint-Pol-Roux colocava à entrada da porta do seu quarto: “Silêncio, poeta em trabalho”.
Claro que também encontramos uma história de amor com dois intervenientes improváveis (sendo por isso um pouco forçada, evidentemente): Lara, uma jovem estudante e ex-modelo, catalogadora de neologismos e um octogenário anarquista angolano. Quando o ancião se apaixona imagina situações e cenas que gostaria de partilhar com Lara:
“Penso em todos os lugares que gostaria de visitar contigo. No que gostaria de fazer contigo – e não farei nunca:
• Ler-te alto as Ficções, de Borges.
• Rir, enquanto nadássemos entre golfinhos, no mar sem maldade de Fernando de Noronha.
• Dormir no deserto.
• Cozinhar-te um bom muzonguê, seguindo a receita que me deixou a minha mãe.
• Ensinar-te as palavras mais meigas da língua umbundo (língua mais meiga do mundo).
• Ensinar-te a flutuar no mar liso do Mussulo (Ilhéu dos Padres).
• Ensinar-te a dançar tango.
• Ouvir-te discorrer sobre a arte de caminhar dos manequins.
• Fotografar-te nua.
• Beijar os teus lábios depois de comermos juntos sorvetes de pitanga.
• Ver contigo Deus e o diabo na terra do sol, do Glauber Rocha. Aliás, ver contigo a filmografia completa do Glauber Rocha.
• Desenhar, e depois construir, a casa perfeita.
• Voar num balão sobre montanhas de Huíla e o deserto do Namibe.
• Passear de mãos dadas, no Parque Guell, em Barcelona.
• Etc., etc, tantas são as coisas que não faremos nunca”.
E mais não adianto. Leiam o livro que vale o tempo despendido…
Para memória futura:
- “as mulheres muito bonitas desorganizam os sistemas sociais” (página 17);
- “a velhice não nos torna imunes à beleza, longe disso, o que nos impõem é certo apaziguamento” (página 18);
- “o espelho de um intelectual é a sua audiência. Uma sala cheia de alunos transforma-se, para um intelectual vaidoso, num magnífico salão de espelhos” (página 20)
“Facing the sea, man is closer to God”
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1 comentário:
Carlos, já tinha alguma curiosidade em relação ao livro, mas, depois de ler a tua apreciação crítica, decidi que vou mesmo colocá-lo em primeiro lugar na minha lista de espera (estou a reler algumas partes de "Como tornar-se doente mental", de Pio Abreu, que acho curioso...
E Agualusa tem, de facto, um encanto muito peculiar!
Bjnhs
G
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