sábado, 8 de março de 2014

Philip Roth - O Complexo de Portnoy


Aparentemente a ideia de um livro que se baseia unicamente num monólogo, em que o protagonista (Alexander Portnoy) se dirige ao seu psiquiatra (Dr. Spielvogel), relatando um universo neurótico, dificilmente poderia resultar numa história profunda, absorvente e divertida. Mas é disto que se trata nesta obra de um dos meus autores contemporâneos favoritos. Mais uma vez é impressionante o seu nível de maturidade da escrita, o seu grau de lucidez nas leituras da realidade e o traquejo na arte da construção do romance.

No sofá do seu psiquiatra Portnoy divaga sobre a religião, pai, mãe, irmã, cunhado, masturbação, relações, adolescência, vida adulta e Nova Iorque. E fala e fala e não sabemos onde quer chegar, mas não se consegue parar de ler! Não tanto pela curiosidade do que acontece pois a obra não está arquitectada de modo a que o leitor alimente expectativas em relação ao final, mas acima de tudo porque o modo como Philip Roth escreve é altamente viciante.

Assim este romance pouco convencional, publicado em 1969 (em Portugal só em 2010!), constituiu um escândalo na altura pelo seu hiper-sexualismo, que para alguns poderá resultar numa leitura incómoda (para comprovar basta ler o título do segundo e quarto capítulos que não vou aqui reproduzir) mas também pelo forte ataque à cultura judaica (e à cultura familiar), mesmo tendo em conta que o autor também é judeu.

O narrador parte da infância e chega à idade de 33 anos, fazendo no entanto algumas deslocações no tempo na sua narrativa. Num registo que nos remete para um filme de Woody Allen, logo no primeiro parágrafo, Portnoy chama à mãe, que é omnipresente e ainda controla a sua vida, que o alerta para os perigos das raparigas não-judias, e, aqui e ali, aponta-lhe uma faca quando ele não quer comer a refeição, “a figura mais inesquecível que eu já conheci”. Por sua vez, o pai é um homem apagado, que chora muito e sofre de permanente obstipação. Metaforicamente, significa que não consegue atirar a sua merda cá para fora, pelo que a violência exercida sobre o filho cabe por exclusivo à mãe, daqui resultando a neurose narrada.

Portnoy, um génio com um QI de 158, que avançou dois graus na escola primária, advogado de sucesso, apresenta a descoberta da sua sexualidade, por vezes pouco ortodoxa, desenfreada (a única excepção é a Terra Prometida), expondo-a de forma despudorada, embrulhada num humor de levar às lágrimas (no entanto repito que poderá originar incómodo em alguns leitores dada a sua natureza incisiva e a ausência de qualquer receio de ferir por parte do autor).

Ao longo da sua vida Portnoy interessa-se sobretudo por raparigas não-judias mas recusa frontalmente o amor romântico. Nunca se satisfaz sexualmente de forma plena, nem consegue amar ninguém. Entre elas está a Macaca, uma mulher que ele engata à entrada de um táxi, com quem tem bom sexo e chega mesmo a sentir uma empatia que nunca sentira antes. A Macaca é uma espécie de namorada-troféu. Portnoy não toma a aceitação da Macaca em participar num “ménage-à-trois” como um símbolo de intimidade entre o casal. Portnoy deseja as mulheres mas, uma vez consumado o desejo, qualquer movimento delas em sua direcção é tido como uma agressão, como uma confirmação das ameaças maternais. Portnoy, simplesmente, tem demasiada mãe para poder aceitar outra mulher “dentro” dele: “A minha mãe castrou-me.” Apetece plagiar o título do primeiro capítulo e concluir que Portnoy é “A personagem mais inesquecível que eu já conheci”.

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