sábado, 17 de maio de 2014

Gabriel García Márquez – A Hora Má: o Veneno da Madrugada


“O mar crescerá com as minhas lágrimas


Esta obra foi publicada em 1962, muito tempo antes de Gabriel García Márquez se tornar um escritor reconhecido internacionalmente e vinte anos antes de ganhar o Nobel da Literatura. Como habitualmente transporta-nos para tempos incertos e locais mágicos, com bastante humor negro e profunda desgraça dos personagens que caracterizam a sua obra, num relato em tom neutro mas com uma fina ironia. No entanto, não alcança a perfeição de “Amor em Tempos de Cólera” ou “Cem Anos de Solidão”.

A história decorre numa pequena vila perdida algures na América do Sul, em permanente convulsão social e política, onde são apresentados personagens que gravitam à volta do Estado, na figura do alcaide, ou da Igreja, representada pelo padre Ángel. As lutas pelo poder, as disputas políticas, a solidão e os boatos e o que eles são capazes de fazer no indivíduo e na sociedade são temas recorrentes nesta obra.

A trama desenrola-se à volta dos pasquins que misteriosamente são colocados porta a porta, durante a madrugada (daí o título da obra) e que deixam as pessoas assustadas com o que poderá ser denunciado. Estes panfletos anónimos apontam amantes, filhos bastardos, traições amorosas e políticas, segredos de família e outros mexericos da vila. Apesar de não se saber se os pasquins estão a dizer a verdade, os moradores passam a temer a sua publicação e assim geram um medo irracional. Logo no início do livro um dos visados por um pasquim, César Montero, é informado da infidelidade da esposa e por isso mata a tiro o suposto amante, Pastor.

Ao longo da obra desfilam vários personagens consistentes e marcantes como a viúva Montiel, o juiz Arcadio, o dr. Giraldo, o dentista, o barbeiro, o sr. Carmichael, a Trinidad, Don Sabas e a família Asís, num ambiente de muito calor, chuvas torrenciais, com muitos ratos na igreja, com censura dos filmes do cinema, dores de dentes e um estado de sítio. Curioso sem dúvida é o cruzamento com personagens de outras obras do escritor como a Mamã Grande e o coronel Aureliano Buendía e ainda a referência ao lugar de Macondo… Outro pormenor delicioso é a descrição da origem da palavra pasquim (afixação de panfletos numa estátua da cidade de Roma chamada Pasquino). O desfecho da história desiludiu-me o que veio a deteriorar a imagem global com que fiquei deste livro.

Ruy Guerra realizou o filme “La Mala Hora” (“O Veneno da Madrugada”) em 2006, inspirado nesta obra de Gabriel García Márquez, optando por apresentar a vila num ambiente obscuro, invernal, lamacento (recriando na perfeição as imagens mentais que tinha após a leitura do livro), mas com personagens demasiado teatralizadas. É falado em português, Maria João Bastos e António Melo têm curtas aparições, a ordem cronológica dos acontecimentos é bastante alterada, verifica-se a ausência de personagens (como o Pepe Amador) e do cinema à frente da igreja e a conclusão da história também diverge do original.

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