“Tenho o mais simples dos gostos. Satisfaço-me com o melhor”, disse um dia Oscar Wilde. E dirão todos os melómanos de gosto também ele simples. Por isso regresso aqui à música que mais ouvi nos últimos doze meses e organizá-la hierarquicamente, ao meu bel-prazer, é inquestionavelmente uma prática hedonista (e claro está, altamente subjetiva).
O disco mais ouvido foi claramente do duo britânico Wet Leg, composto Rhian Teasdale e Hester Chambers e oriundo da ilha de Wight, que inclui canções como "Wet Dream", "Ur Mum", "Angelica", "Being In Love" ou a perfeita “Chaise Longue”, uma das mais trepidantes canções que o rock nos ofereceu nos últimos anos. Em tom infinitamente “blasé”, o duo canta com languidez sobre o malogro das notas escolares, a vontade escapista e a irreprimível vontade de se estender horas a fio numa “chaise longue”, o objeto mais adorado por qualquer preguiçoso que se preze.
- Wet Leg - Wet Leg - Black Country, New Road - Ants From Up There - Angel Olsen - Big Time - Spiritualized - Everything Was Beautiful - The Smile - A Light for Attracting Attention - Beach House - Once Twice Melody - Oumou Sangaré - Timbuktu - Weyes Blood - And in the Darkness, Hearts Aglow - Yeah Yeah Yeahs - Cool It Down - Vieux Farka Touré & Khruangbin - Ali
- Arctic Monkeys - The Car - Julia Jacklin - Pre Pleasure - Fontaines D.C. - Skinty Fia
Segue ainda uma playlist com temas que marcaram 2022:
O ano foi rico em diversidade de estreias nas plataformas de streaming, do sci-fi à espionagem, das fraudes à fantasia. Com interpretações de luxo, argumentos de peso e histórias mirabolantes, estas são as séries que mais gostei de ver em 2022.
- Black Bird – Protagonizada por Taron Egerton e um assombroso Paul Walter Hauser, esta minissérie conta a história real de James Keene, carismático criminoso recrutado pelo FBI para arrancar uma confissão a Larry Hall, homem obcecado pela guerra civil norte-americana que se revelou um dos assassinos em série mais mortíferos da história dos Estados Unidos. Um dos últimos papéis do malogrado Ray Liotta.
- The Dropout – Uma história real (e inacreditável) sobre ambição e fama, e o que pode daí correr mal, “The Dropout: A História de uma Fraude” conta a história de Elizabeth Holmes (a espetacular Amanda Seyfried), fundadora da Theranos. Na tentativa de revolucionar a indústria da saúde, Elizabeth deixa a faculdade (daí o título da série) e inicia uma empresa de tecnologia que tem por objetivo criar uma máquina que, através de uma única gota de sangue, conseguisse efetuar mais de 200 análises. A banda sonora é brilhante e pode ser ouvida AQUI.
- The Bear – O título desta minissérie é a alcunha dada a Carmen Berzatto, um chef Michelin que se vê na posição de gerir a loja de sandes do irmão, depois de este falecer. É uma série caótica mas viciante, decorre numa atmosfera eletrizante, ao som de “New Noise” dos Refused, tem um elenco brilhante e capta o caos frenético que se apodera da cozinha de um restaurante durante o serviço. Os 8 (curtos) episódios devem ser degustados de enfiada…
- Pachinko – Baseada no bestseller de Min Jin Lee e adaptada por um filho de imigrantes coreanos, em “Pachinko” (uma máquina de flippers à japonesa, que aqui funciona como metáfora para a vida, ela própria uma espécie de montanha-russa diária), o espetador perde-se na belíssima fotografia deste retrato emocional e expressivo da história de todos os coreanos que foram afetados pela colonização japonesa da Coreia no séc. XX.
- Severance – Nesta espécie de comédia bizarra, tenta-se responder essencialmente a uma questão (que depois se desmultiplica): e se conseguíssemos separar a nossa vida pessoal da profissional através de consciências distintas? Independentemente dos motivos, se a tecnologia permitir separar o nosso “eu” pessoal do “eu” do trabalho, será que o fazíamos? Será que conseguíamos simplesmente esquecer oito horas do nosso dia? E, a ser possível, seria sequer ético? Onde é que encaixa aqui o nosso livre-arbítrio?
- The White Lotus (Season 2) – Depois de uma temporada inagural de sucesso, a segunda temporada repete a base satírica mas mudam os ingredientes. A exceção é Jennifer Coolidge, que volta a dar vida a Tanya McQuoid. Neste novo “White Lotus”, as personagens desembarcam na Sicília, num ambiente distópico que sufoca as suas relações interpessoais. Conduzido por um brilhantismo de autor, desta vez o enredo assenta na toxicidade e sexualidade. No desfecho, tudo corre bem porque tudo corre mal.
- Wednesday – Série com gostinho especial pelo macabro e sobrenatural, spin-off da “The Addams Family”, realizada por Tim Burton e por isso ideal para os fãs da estética sombria. Jenny Ortega interpreta a protagonista da história, Wednesday, alérgica a cor e de olhar intimidante, quase desconcertante, que é expulsa da escola e enviada para onde os pais estudaram e se apaixonaram. É lá que aprende a lidar com as suas visões e é educada para ser independente e corajosa mas acaba por ser obrigada a investigar um crime e ser confrontada com algo que abomina: a amizade e o amor.
Momento impressionate da temporada: a dança de Wednesday ao som de “Goo Goo Muck”, dos Cramps, no baile do liceu. Aliás, toda a banda sonora é simplesmente arrepiante. Wednesday é um ás no violoncello e toca, por exemplo, “Winter” de Vivaldi, e uma versão da “Paint It Black”, dos Rolling Stones.
- Bad Sisters – É uma comédia negra sobre as irmãs Garvey. Desde muito cedo, as cinco irmãs tornaram-se inseparáveis devido à morte prematura dos pais. No entanto, quando uma deles, Grace, é vítima de violência doméstica pelo marido, as irmãs decidem resolver o problema com as próprias mãos, levando a consequências desastrosas.
- Inventing Anna – Aqui retrata-se a história verídica de Anna Sorokin (papel desempenhado na perfeição por Julia Garner), uma cidadã russa que, entre 2013 e 2017, se fez passar por uma rica herdeira nos E.U.A., enganando e vigarizando pessoas, bancos, hotéis e outras instituições, até ser finalmente presa (mas libertada no dia 5 de outubro de 2022, precisamente na semana em que vi esta minissérie).
- The Old Man – Um ex-agente reformado da CIA, Dan Chase (Jeff Bridges) a tentar ter uma vida tranquila até que um dia sofre uma tentativa de homicídio e percebe que está a ser caçado. Assim é obrigado a procurar um esconderijo para se proteger daqueles que o querem matar e encontra-o na casa de Zoe McDonald (Amy Brenneman), uma mulher com um passado misterioso e juntos procuram à verdade sobre a caça a Chase.
- This Is Going to Hurt – comédia dramática que acompanha um grupo de doutores recém-formados num hospital londrino na área da obstetrícia e ginecologia. Esta comédia dramática proporciona um olhar divertido e honesto sobre como é trabalhar com essas especialidades da medicina e explora os efeitos emocionais que trabalhar na área da saúde causa nos seus funcionários. Crítica social e humor. É uma minissérie profundamente humana e imperdível.
- MO – É um divertido e comovente retrato da vida de um refugiado palestino nos EUA. Série criada por Mo Amer e Ramy Youssef (de outra excelente série, “Ramy”) e por isso autobiográfica: acompanha Mo e a sua família, refugiados do Iraque durante a Guerra do Golfo, no início dos anos 90, em busca da obtenção da cidadania americana.
- Hacks (Season 2) – Série hilariante sobre uma comediante lendária de Las Vegas, pioneira mas ultrapassada, Deborah Vance (Jean Smart). A história explora a relação de mentoria que Deborah estabelece com Ava Daniels (Hannah Einbinder), uma jovem escritora de comédia. Nesta segunda temporada, Deborah, no crepúsculo da sua carreira, decide retornar às suas raízes e fazer espetáculos itinerantes pelos E.U.A.
- Heartstopper – A novela gráfica passa para o pequeno ecrã, a história de amor de Charlie Spring (Joe Locke) e Nick Nelson (Kit Connor), onde os dois adolescentes tentam compreender o sentimento que os une enquanto um lida com o bullying de que é alvo e o outro com incertezas quanto à sua orientação sexual. “Heartstopper” mostra que nem sempre o lado mais negro vinga nas vidas de uma imensa, e diversa, minoria, que continua estigmatizada e perseguida. A participação especial de Olivia Colman é a cereja no topo do bolo.
- Shining Girls – Thriller original que combina de forma inteligente elementos sobrenaturais, terror, serial killer, muito suspense e ficção científica. Conta com um elenco encabeçado pela incomparável Elizabeth Moss, Wagner Moura e Jamie Bell. O última episódio termina com a voz de Angel Olsen numa versão de "One Too Many Mornings", original de Bob Dylan.
Menções honrosas para a minissérie The English (protagonizada por Emily Blunt), para a continuação de The Crown (Season 5), Reservation Dogs (Season 3) e Abbott Elementary (Season 2) e para o final da excelente Better Call Daul (Season 6), proveniente do universo Breaking Bad. No mundo da fantasia, além da já mencionada Wednesday é impossível não destacar as majestosas House of the Dragon e The Lord of the Rings: The Rings of Power.
1. Chimamanda Ngozi Adichie – Meio Sol Amarelo 2. Bernardine Evaristo – Rapariga Mulher Outra 3. Gerrit Komrij – Um Almoço De Negócios Em Sintra 4. Salman Rushdie – Quichotte 5. Viet Tranh Nguyen – O Simpatizante 6. Juan Gabriel Vásquez – O Barulho Das Coisas Ao Cair 7. Margaret Atwood – Grace 8. António Mega Ferreira – Desamigados Ou Como Cancelar Amizades Sem Carregar No Botão 9. Michel Houellebecq – Serotonina 10. Marieke Lucas Rijneveld – O Desassossego da Noite 11. Irène Némirovski – Suite Francesa
12. Tennessee Williams – A Noite Da Iguana E Outras Histórias
O cinema, nos melhores e piores momentos, é um modo de viajarmos sem sair do lugar e descobrirmos outras histórias e realidades possíveis. As minhas 10 melhores viagens em 2022 foram:
1. The Fabelmans, de Steven Spielberg - história semiautobiográfica com a qual Spielberg nos convida a redescobrir a arte e a magia do cinema. Tem como ponto de partida a história da sua juventude: um menino judeu que fica obcecado pelo cinema a partir do momento em que os pais, imigrantes judeus russos nos E.U.A., o levam a ver um filme de Cecil B. DeMille, “The Greatest Show on Earth”, no ano de 1952. Os pais do miúdo, Michelle Williams e Paul Dano, estão sublimes e há David Lynch a fazer de John Ford…
2. Tár, de Todd Field - filme sobre a fictícia Lydia Tár (mais uma excelente interpretação de Cate Blanchett), uma aclamada compositora que se torna a primeira maestrina feminina de uma orquestra alemã. Acompanha-se a sua vida quotidiana em Berlim, as relações abusivas, a gravação da sua última sinfonia e a sua decadência devido ao seu histórico de comportamentos controladores, abusivos e narcisistas. Excelente!
3. Onoda, 10 000 Nuits Dans La Jungle (Onoda - 10 000 Noites Na Selva), de Arthur Harari - história de um militar japonês da II Guerra Mundial, treinado por um programa secreto dos comandos do exército nipónico e enviado para as Filipinas, para uma ilha montanhosa do arquipélago de Lubang, escassamente povoada por camponeses. Durante quase três décadas manteve-se escondido, ignorando o fim do conflito. O filme levanta muitas questões ainda hoje difíceis de abordar no Japão: a guerra, a derrota, o patriotismo e o fim do Império.
4. Guillermo del Toro’s Pinocchio - o icónico cineasta Guillermo del Toro dá-nos a sua própria perspetiva da intemporal narrativa “Pinóquio” (criada por Carlo Collodi) com uma animação em stop-motion. A ação decorre na Itália fascista de Mussolini, contém algumas liberdades criativas e rumos intrigantes. Adorei!
5. Good Luck to You, Leo Grande (Boa Sorte, Leo Grande), de Sophie Hyde - filme com a brilhante Emma Thompson já AQUI mencionado.
6. All Quiet on the Western Front (A Oeste Nada de Novo), de Edward Berger - baseado no livro icónico de Erich Maria Remarque, publicado em 1929 e já adaptado ao cinema em 1930 e 1970. O filme foca-se num jovem soldado alemão durante a Primeira Guerra Mundial. É uma história sobre os horrores na linha da frente.
7. Argentina, 1985, de Santiago Mitre - filme político onde aspetos públicos e privados dos seus personagens alternam-se e complementam-se numa abordagem bastante ampla de dois grandes temas de uma enorme atualidade: os direitos humanos e a justiça. Inspira-se na história real de Julio Strassera, Luis Moreno Ocampo e a sua jovem equipa jurídica que se atreveram a acusar, contra todos os ventos e marés, a contrarelógio e debaixo de constantes ameaças, a sangrenta ditadura militar argentina, entre 1976 e 1983.
8. Elvis, de Baz Luhrmann – história da carreira de Elvis Presley (Austin Butler) em pouco mais de duas horas e meia. Filme com boas interpretações, que nos dá uma boa panorâmica biográfica da vida de Elvis, proporciona bons momentos musicais e mostra-nos o lado sórdido da sua carreira, bem patente na exploração do seu agente que poucos devem conhecer, o coronel Tom Parker (Tom Hanks).
9. Triangle of Sadness (Triângulo da Tristeza), de Ruben Östlund - sátira ao capitalismo e aos jogos de poder que resulta num filme de chorar a rir do princípio ao fim e que por isso se revela uma sólida chamada de atenção ao capitalismo crescente e à sociedade do consumo.
10. An Cailín Ciúin (The Quiet Girl), de Colm Bairéad - história absurdamente triste passada na Irlanda em 1981. Cáit, de nove anos, a menina do título do filme, contraria as adversidades de uma vida pobre num meio rural ao ser uma observadora sensível da beleza das pequenas coisas ao seu redor. Quando é “despachada” pela sua família sobrecarregada, muitas vezes emocionalmente fria, para um casal mais velho e sem filhos, experimenta um profundo afeto, talvez pela primeira vez…
- António Mega Ferreira – Desamigados Ou Como Cancelar Amizades Sem Carregar No Botão - Gerrit Komrij – Um Almoço De Negócios Em Sintra - Yukio Mishima – Vida À Venda - Julian Barnes – O Ruído do Tempo