domingo, 20 de abril de 2014

Li o livro, vi o filme


As adaptações literárias para o cinema nunca são exactamente fiéis. Às vezes, é preciso reduzir a trama e deixar de lado detalhes para que os momentos mais importantes caibam nos minutos do filme ou mesmo para que não sejam censurados. Por isso e de uma maneira geral, prefiro sempre o livro. Nos três exemplos que acabei de ler e ver (sempre por esta ordem) gostei imenso tanto do livro como do filme, pois ambos são deliciosos de se ler e assistir. São histórias que divertem quem lê e ao mesmo tempo capazes de nos fazer repensar muitas das nossas atitudes perante os outros.

1) Truman Capote – Boneca de Luxo

Boneca de Luxo, Breakfast at Tiffany’s, no original de 1958 (há expressão inglesa que dê mais gozo pronunciar?) é um romance tocante e singelo sobre a amizade, o amor e as desilusões. Holly Golightly é uma mulher bonita, inteligente, mas viciada, boémia e mundana, que procura o luxo e a luxúria sem renegar os valores tradicionais da província e até vive com um gato. Espirituosa e ternamente vulnerável, inquieta as vidas dos que com ela se cruzam. De uma personalidade frágil e confusa, procura apenas alcançar a sua felicidade, que para ela é um estado de satisfação semelhante à sensação encontrada ao observar pela manhã as vitrines da Tiffany & Co. O narrador, que não revela o seu nome, e que conviveu com ela em Nova Iorque e por ela apelidado de “Fred” por lhe fazer lembrar o irmão, considera-a uma “exibicionista indecente” e “vil impostora”. Durante a sua estadia em Nova Iorque, pois não tem pouso certo por não ser capaz de encontrar um lugar seu, que a faça sentir em casa, é sustentada por amigos do sexo oposto e por Sally Tomato, um mafioso que vive na prisão e que semanalmente lhe passa códigos em formato de previsão do tempo para que Holly transmita aos seus companheiros que estão fora da prisão. Após Nova Iorque é sugerida a passagem de Holly (afinal, Lula Mae Barnes) pelo Brasil, Buenos Aires e algures em África.

No filme de Blake Edwards de 1961, a relação entre as personagens principais altera-se, passando de amizade apenas no livro para o amor romântico no filme. No livro o narrador chama-se Paul Varjak, há a sugestão de que Paul é homossexual e Holly, bissexual. Por isso no filme é criada uma nova personagem no intuito de retirar a homossexualidade de Paul: uma decoradora, sua amante, que o sustenta. Na cena mais caricata, Holly surge a tentar aprender a língua portuguesa com uma grafonola e um disco de 33 rotações, porque planeava fugir para o Brasil com um José da Silva Pereira mas ambos consideram ser “uma língua complicada com 4000 verbos irregulares”. Além disso, o personagem Joe Bell, proprietário de um bar que frequentam, desapareceu no filme. A queda aparatosa no cavalo depois de uma corrida louca no Central Park e a detenção de Holly na sua banheira também são esquecidos. A deslumbrante Audrey Hepburn, no papel de Holly, foi nomeada para melhor actriz e também encanta ao dar voz, na parte final do filme, à canção de Henry Mancini, “Moon River”.


2) Thomas Mann – Morte em Veneza

O amor platónico e a paixão arrebatadora pela beleza são os temas centrais desta obra, escrita de forma eloquente e profunda em 1911. Gustav von Aschenbach é um escritor alemão cinquentão que ao passar por uma crise criativa decide revisitar Veneza. No hotel Lido repara em Tadzio, um adolescente polaco de catorze anos que considera o expoente máximo da beleza. Inicialmente o seu interesse é puramente estético, ou pelo menos é o que ele diz para si mesmo. No entanto, rapidamente se apaixona pelo rapaz de forma intensa e violenta e persegue-o ousadamente pelas ruas e canais de Veneza, mas jamais estabelecem contacto directo. Como permanece indiferente aos rumores sobre uma epidemia de cólera na cidade, o fim acaba por ser previsível e inevitável.

O filme “Death In Venice” de 1971, realizado pelo italiano Luchino Visconti mantém a densidade psicológica do livro, explora eficazmente a beleza de Veneza e diverge ligeiramente da obra escrita ao iniciar-se com a chegada a Veneza sem quaisquer prolegómenos e com o protagonista a passar de escritor a músico fracassado. A tentativa de dissimular a idade com cosméticos pareceu-me bastante exagerada, ficando Gustav com um aspecto patético, apesar de servir para acentuar a irrealidade.


3) F. Scott Fitzgerald – O Grande Gatsby

Esta obra de 1925 passa-se em Nova Iorque (Long Island) durante o Verão de 1922 e conta a história do milionário excêntrico que subiu na vida a pulso, Jay Gatsby (mas nasceu James Gatz), conhecido pelas festas animadas que dava na sua mansão. Os Estados Unidos vivem um período de prosperidade sem precedentes. Vivia-se a era dourada do jazz em toda a sua decadência e excessos, num mundo de aparências. Quem nos conta a história é o seu novo vizinho, Nick Carraway, um jovem comerciante de Midwest, que se torna amigo de Gatsby. Apesar de idolatrarem os ricos e o glamour da época, ambos não se conformavam com o materialismo sem limites e a falta de moral e cultura, que traziam consigo uma certa decadência, o que resulta numa crítica ao sonho americano. A fortuna de Gatsby é motivo de rumores, nenhum dos inúmeros convidados que Nick conhece nas festas de Gatsby conhece muito bem o passado do anfitrião e há suspeitas de actividades ilegais. Nick também visita Tom Buchanan, outro “novo-rico”, um antigo atleta universitário abastado, marido de Daisy, que é prima de Nick. Mais tarde, Nick descobre que o milionário só mantinha estas festas na esperança de que Daisy, seu amor há cinco anos, fosse a uma delas por acaso. No desenrolar da história deparamos com Jordan Baker, George Wilson, dono de uma garagem, a sua mulher Myrtle (mas também amante de Tom), um atropelamento mortal com um carro amarelo, uns óculos gigantes, um assassinato, um suicídio e um funeral com três pessoas.

O argumento do filme de 2013 é bastante fiel ao livro. Tobey Maguire é Nick Carraway, Leonardo DiCaprio é Jay Gatsby e Carey Mulligan é Daisy Buchanan. Como o realizador é Baz Luhrmann há uma preocupação com a banda sonora (The XX, Jack White, Lana Del Rey e Florence + The Machine, entre outros) e com a caracterização dos anos 20 nova-iorquinos ("Roaring Twenties") e as suas exuberantes festas, o que resulta num sentido estético aprimorado com cenários sumptuosos.

2 comentários:

Amazing Ladybug disse...

também já li os livros e só não vio o filme do Gatsby. Também prefiro sempre os livros. O Breakfast at Tiffany's é fenomenal!!!

C. Barros disse...

Rui

Obrigado pela visita aqui ao Coiote. Também adorei a Audrey...