sexta-feira, 31 de julho de 2015
quarta-feira, 29 de julho de 2015
Fernando Tordo - Biografia Involuntária dos Amantes
“A imaginação é a chave que temos para manter a morte fechada no seu quarto escuro.”
Li os seis livros anteriores de João Tordo: O Livro dos Homens Sem Luz; Hotel Memória; As Três Vidas; O Bom Inverno; Anatomia dos Mártires e O Ano Sabático. Em termos de géneros são difíceis de catalogar. De uma forma geral, gosto da beleza da sua narrativa e da forma como cria personagens únicas, inteligentes, consistentes, em ambientes normalmente enigmáticos, densos, melancólicos e muito diversificados de livro para livro.
A ideia que tenho sobre a sua obra é que predomina a errância dos protagonistas, sempre longe do seu país natal (talvez relacionada com a sua frustração pessoal e profissional – o escritor frustrado em O Bom Inverno, o músico de O Ano Sabático, o estudante a quem morre a namorada em Hotel Memória ou o narrador de As Três Vidas a quem morre o pai).
Tal como em outras obras anteriores, nesta Biografia Involuntária dos Amantes, o narrador não tem nome. É um professor universitário de Língua e Literatura Inglesa em Santiago de Compostela, divorciado de Paula, solitário, com um programa semanal de rádio em Pontevedra e pai de uma adolescente problemática de 16 anos, Andrea. Este personagem conhece o mexicano Miguel de Saldaña Paris no Café Universo no centro de Pontevedra, onde figura uma estátua do poeta espanhol Ramon Valle-Inclán (foto abaixo). Miguel, outro poeta, vivia com uma melancolia persistente, especialmente após o acidente com o javali e o relato da sua história no programa de rádio do narrador.
Miguel foi casado uma portuguesa que conheceu numa viagem de comboio – Teresa de Sousa Inútil (o segundo apelido é inventado – “Inútil” foi o título dado ao primeiro livro, que tentou publicar em Paris), que o abandonou após cinco anos de casamento. Posteriormente, Teresa morreu de cancro e deixou-lhe um manuscrito. Como Miguel não tem coragem para ler esse documento pede ao narrador que o faça, o que o vai motivar a descobrir a raiz da amargura e do desencanto com a vida do seu amigo. Este manuscrito, que se revelaria ser apócrifo, ocupa todo o terceiro capítulo (num total de oito capítulos), único que é narrado por Teresa, a personagem mais complexa do romance, que relata parte da sua vida, desde as suas primeiras relações amorosas com Jaime, colega do liceu, e mais tarde com Raul, até às relações pessoais com os pais e o tio Franquelim.
O narrador não nomeado, decepcionado com os actuais alunos pois “…os alunos pareciam-se cada vez menos tocados pela literatura e cada vez mais distraídos pelas banalidades de um mundo tingido de monotonia”, inicia então um périplo que o vai levar a Londres (entrevista Antonia McKay, anterior chefe de Miguel), ao Canadá (conhece Luís Stockman, vizinha de Teresa em Mont-Tremblant e protagonista em O Ano Sabático – este cruzamento de personagens nos romances de Tordo é habitual. Recordo-me por exemplo de Elsa Gorski de O Bom Inverno e O Ano Sabático), a Lisboa (fala com Jaime e visita Franquelim na prisão), e finalmente, o regresso a Pontevedra.
Os dois biógrafos involuntários da obra são: o Benxamín, o bibliotecário que enviou o manuscrito ao Miguel, e que foi o biógrafo involuntário de Teresa e o narrador não nomeado que acaba por ser o biógrafo involuntário do Miguel.
Como habitualmente existe uma forte ligação à cultura anglo-saxónica, com inúmeras referências (Yeats, Eliot, Auden, Joyce, Woolf, Byatt, McEwan, Ishiguro, Amis, Wilde, Pinter, Kane, Marías, Borges, Bolaño, Byron, Kafka, Charles Mingus, Delphine Seyrig e o filme O Último Ano em Marienbad) e o destaque a escritores que fumam: Pessoa, Camus, Kerouac, Cardoso Pires, Mark Twain, Dylan Thomas, Cortázar e Samuel Beckett. Outros episódios de relevo: a lenda de Léonard du Revenant, a fuga do pai da Teresa para Espanha e a seguir a da própria Teresa com o tio; o affair com a amiga da Andrea, Débora; o esquema falso de prostituição; o contrabando de aparelhos de vídeo VHS e o significado simbólico do postal com uma pintura de Edward Hopper, Rooms By The Sea (foto abaixo): “esperar que, mais cedo ou mais tarde, uma porta se abra e se mude de vida”.
No final da história e apesar do tormento das personagens, em conflito com o passado e sem aceitar o presente, a referida “porta” é aberta. Gostei imenso de ler este livro, será um dos meus preferidos do autor, em conjunto com O Livro dos Homens Sem Luz; As Três Vidas e O Ano Sabático.
terça-feira, 28 de julho de 2015
The Pervert's Guides
Acabei de rever dois documentários fascinantes sobre cinema realizados por Sophie Fiennes e apresentados pelo esloveno Slavoj Žižek (penso que se lê “Slavói Tchitchéqui”). Žižek é um filósofo e sociólogo, com mais de uma dezena de livros traduzidos e publicados em Portugal, o último dos quais chamado “O Islão é Charlie?” onde faz uma reflexão crítica sobre os acontecimentos que tiveram lugar em Paris a 7 de Janeiro de 2015, nos escritórios do jornal Charlie Hebdo.
The Pervert's Guide to Cinema (2006)
No primeiro filme, de 2006, analisa de forma psicanalítica e filosófica diversos filmes (cita 43 películas!) com destaque para a filmografia de Alfred Hitchcock, David Lynch, Charles Chaplin e Andrei Tarkovski. Trata-se de uma análise essencialmente pessoal, e por isso subjectiva, de alguém apaixonado pelo cinema, mas também irreverente e por vezes controverso e com um fortíssimo sotaque inglês (“and so on, and so on”). Por sua vez, o principal contributo da realizadora foi colocar Žižek nas cenas dos filmes e assim criar a ilusão de que Žižek fala a partir do interior dos próprios filmes.
Relativamente ao conteúdo do filme, Žižek começa por abordar a dicotomia entre a realidade e a ficção, depois desenvolve um tema bem Freudiano, a libido, e termina a discutir os valores simbólicos apresentados nos filmes. Achei bastante interessante a análise da casa de Norman Bates em “Psico”, com três andares e a consequente distinção entre ego, super ego e id, a tentativa de explicar os modelos de comportamento de Hollywood bem como os sonhos de David Lynch, onde a realidade e a fantasia caminham lado a lado, e a figura opressiva dos pais nos seus filmes. Também adorei ver extractos de alguns dos meus filmes preferidos e alguns personagens que já não via há algum tempo (como o Bobby Peru, de “Wild At Heart”).
Na minha opinião, o que Žižek pretende é, através de revelações psicoanalíticas, dizer que falar sobre os filmes é falar sobre nós mesmos.
The Pervert's Guide to Ideology (2012)
No segundo filme, realizado seis anos mais tarde, Žižek continua a procurar significados escondidos em filmes mas em torno do conceito de “ideologia”, destacando-se essencialmente a vida em sociedade, os regimes de governação e a religião. O número de filmes abordados é inferior (24) mas são referidos outros factores que terão influenciado a tal “ideologia”: um anúncio comercial da Coca-Cola e outro do Ovo Kinder Surpresa; a Nona Sinfonia de Beethoven (Hino à Alegria); a revolta em Londres em 2011; os atentados de Oslo (Breivik); uma música dos Rammstein; a política comercial da Starbucks; o cemitério de aviões no deserto de Mojave; a Primavera de Praga em 1968; as armas de destruição maciça no Iraque e a expressão de Sartre de 1943: “Se Deus não existe, então tudo é permitido”. No entanto, o principal factor é apresentado como “The Big Other”…
Estes documentários são para se ver várias vezes pois a primeira visualização pode deixar-nos um pouco perdidos no meio de tanta informação, o que me levou a consultar alguns livros sobre cinema da minha biblioteca (foto abaixo). A segunda visualização já permite compreender melhor a complexidade psicológica apresentada por Žižek. Spoiler alert: alerto para o facto de que quem não viu alguns filmes citados vai ficar a conhecer o seu final.
The Pervert's Guide to Cinema (2006)
No primeiro filme, de 2006, analisa de forma psicanalítica e filosófica diversos filmes (cita 43 películas!) com destaque para a filmografia de Alfred Hitchcock, David Lynch, Charles Chaplin e Andrei Tarkovski. Trata-se de uma análise essencialmente pessoal, e por isso subjectiva, de alguém apaixonado pelo cinema, mas também irreverente e por vezes controverso e com um fortíssimo sotaque inglês (“and so on, and so on”). Por sua vez, o principal contributo da realizadora foi colocar Žižek nas cenas dos filmes e assim criar a ilusão de que Žižek fala a partir do interior dos próprios filmes.
Relativamente ao conteúdo do filme, Žižek começa por abordar a dicotomia entre a realidade e a ficção, depois desenvolve um tema bem Freudiano, a libido, e termina a discutir os valores simbólicos apresentados nos filmes. Achei bastante interessante a análise da casa de Norman Bates em “Psico”, com três andares e a consequente distinção entre ego, super ego e id, a tentativa de explicar os modelos de comportamento de Hollywood bem como os sonhos de David Lynch, onde a realidade e a fantasia caminham lado a lado, e a figura opressiva dos pais nos seus filmes. Também adorei ver extractos de alguns dos meus filmes preferidos e alguns personagens que já não via há algum tempo (como o Bobby Peru, de “Wild At Heart”).
Na minha opinião, o que Žižek pretende é, através de revelações psicoanalíticas, dizer que falar sobre os filmes é falar sobre nós mesmos.
The Pervert's Guide to Ideology (2012)
No segundo filme, realizado seis anos mais tarde, Žižek continua a procurar significados escondidos em filmes mas em torno do conceito de “ideologia”, destacando-se essencialmente a vida em sociedade, os regimes de governação e a religião. O número de filmes abordados é inferior (24) mas são referidos outros factores que terão influenciado a tal “ideologia”: um anúncio comercial da Coca-Cola e outro do Ovo Kinder Surpresa; a Nona Sinfonia de Beethoven (Hino à Alegria); a revolta em Londres em 2011; os atentados de Oslo (Breivik); uma música dos Rammstein; a política comercial da Starbucks; o cemitério de aviões no deserto de Mojave; a Primavera de Praga em 1968; as armas de destruição maciça no Iraque e a expressão de Sartre de 1943: “Se Deus não existe, então tudo é permitido”. No entanto, o principal factor é apresentado como “The Big Other”…
Estes documentários são para se ver várias vezes pois a primeira visualização pode deixar-nos um pouco perdidos no meio de tanta informação, o que me levou a consultar alguns livros sobre cinema da minha biblioteca (foto abaixo). A segunda visualização já permite compreender melhor a complexidade psicológica apresentada por Žižek. Spoiler alert: alerto para o facto de que quem não viu alguns filmes citados vai ficar a conhecer o seu final.
segunda-feira, 20 de julho de 2015
Futebol vs Sexo
Um homem assistia a um jogo de futebol pela televisão, mas mudava de canal a cada momento, do canal de desporto para um filme porno, que mostrava um casal em plena acção.
- "Não sei se assista ao filme, ou se veja o jogo", disse para a mulher.
- "Pelo amor de Deus, assiste ao filme..." respondeu ela. "Futebol já tu sabes jogar".
- "Não sei se assista ao filme, ou se veja o jogo", disse para a mulher.
- "Pelo amor de Deus, assiste ao filme..." respondeu ela. "Futebol já tu sabes jogar".
quinta-feira, 16 de julho de 2015
Livros sobre Livros (e Bibliotecas)
Nos últimos meses li várias obras sobre o amor desmesurado pelos livros, bibliotecas e pela literatura. Obras que mostram como os livros são maravilhosos, reconfortantes e surpreendentes.
A Casa de Papel – Carlos María Domínguez
Neste minúsculo livro, Bluma Lennon é uma professora universitária que é vítima de um acidente mortal enquanto lia um poema de Emily Dickinson. O seu substituto na universidade, recebe um envelope dirigido à falecida que contém um exemplar do livro de Joseph Conrad “A Linha da Sombra”. No entanto, este exemplar tem a capa e a contracapa cheias de cimento, e quem o recebeu não resiste a procurar o remetente de tal objecto...
O amor pelos livros está patente ao longo de todo o livro: “Os livros avançam pela casa, silenciosos, inocentes. Não consigo detê-los” (página 15); “Preciso de ler todo o aparato, esclarecer o sentido de cada conceito e, por isso, dificilmente me sento a ler um livro sem vinte ao lado, às vezes para completar a interpretação de um só capítulo” (página 31) ou “Eu fodo com cada livro e, se não houver marcas, não há orgasmo” (página 35).
Jacques Bonnet – Bibliotecas Cheias de Fantasmas
Mais uma preciosidade para os amantes da leitura. Este livro está dividido em nove capítulos e o autor, com base na sua experiência pessoal, aborda temas como as bibliotecas gigantes, as bibliomanias, a arrumação dos livros e as práticas de leitura. Como a minha biblioteca já ultrapassou o milhar de exemplares, identifiquei-me com alguns dos “problemas” que o autor relata no capítulo “Arrumar e Classificar”.
Ao longo da obra deparamo-nos com inúmeras referências literárias o que nos leva a querer ler mais e melhor, descobrir coisas diferentes e alargar os nossos horizontes. A título de exemplo, no capítulo oito é feita uma alusão a um episódio de The Twilight Zone (A Quinta Dimensão), a série de televisão dos anos 60, chamado "Time Enough At Last", no qual um bancário não tem tempo para se dedicar à sua actividade preferida: a leitura…
Daniel Pennac – Como Um Romance
Retrata a iniciação ao mundo da leitura, desde a infância até à idade adulta e está repleto de citações e histórias surpreendentes sobre o amor aos livros. Contém os conhecidíssimos direitos inalienáveis do leitor (no foto abaixo) e 21 razões para ler (páginas 68 e 69).
Neste tratado sobre a leitura, Pennac considera que «ler» não deve ser um trabalho forçado. O ideal é tirar o melhor partido de um livro e ler acima de tudo com gosto.
“Há quem nunca tenha lido e por isso tenha vergonha, há os que já não conseguem arranjar tempo para ler e que por isso se lamentam, há os que nunca lêem romances, só livros úteis, ensaios, obras técnicas, biografias, livros de história; há os que lêem tudo, que «devoram» e, cujos olhos brilham, há os que só lêem os clássicos, meu caro senhor, «pois a melhor crítica é o crivo do tempo», há os que passam a idade madura a «reler», e os que leram o último de fulano e o último de cicrano, porque, meu caro senhor, temos de estar a par…
Mas todos, todos, em nome da necessidade de ler” (página 66).
Zoran Zivkovic – A Biblioteca
Nesta viagem de ida ao mundo dos livros entramos em simultâneo no mundo da magia e fantasia. São 6 contos, todos com a palavra Biblioteca no início do título ao que acresce Virtual, Particular, Nocturna, Infernal, Minimal e Requintada. Aqui encontramos um escritor que descobre na sua caixa de e-mail um link para uma Biblioteca Virtual que afirma ter lá “tudo”; um homem que sempre que abre a sua caixa de correio encontra o mesmo livro (chamado “Literatura Universal”) originando problemas de arrumação na sua casa; a existência de uma biblioteca especial só com livros de todas as vidas do planeta; um indivíduo que tem de prestar contas no inferno por não ter lido nenhum livro durante toda a sua vida (claro que a terapia obrigatória é a leitura!); um livro que muda de título e conteúdo sempre que é aberto e uma pessoa avessa a edições de bolso mas que não se consegue livrar delas… Delicioso!
Jorge Luis Borges – O Livro de Areia
Este livro contém 13 contos e vou destacar apenas o último, “O Livro de Areia” pois é o único que versa sobre o mundo dos livros. A história é similar às histórias de Zivkovic, com um elemento fantástico presente: um indivíduo é convencido a comprar um livro que não tem nem a primeira nem a última página (daí a origem do título do conto, pois nem o livro nem a areia têm princípio nem fim).
Por curiosidade menciono que 31 anos antes (e em muito melhor forma), Borges na sua obra-prima “Ficções” de 1944 incluiu o famosíssimo e obrigatório conto metafísico “A Biblioteca de Babel”, retratando uma realidade em que o mundo é composto por uma infinidade de livros em que estes abarcam todas as possibilidades da realidade.
Umberto Eco – A Biblioteca
Este opúsculo, de leitura bastante rápida, baseia-se na conferência dada no dia 10 de Março de 1981, data da comemoração dos vinte e cinco anos de actividade da Biblioteca Municipal de Milão, pelo sempre provocatório e genial Umberto Eco.
Eco começa por apresentar as razões para a existência das bibliotecas (“a principal função da biblioteca é de descobrir livros de cuja existência não se suspeitava e que, todavia, se revelam extremamente importante para nós”) concluindo que uma Biblioteca deverá ter como principal objectivo ser um espaço convidativo à permanência, à consulta, à leitura e à pesquisa no local. Posteriormente estabelece de forma irónica várias alíneas que sustentam uma biblioteca ideal (da letra a à letra s).
Umberto Eco e Jean-Claude Carrière – A Obsessão do Fogo
A obra consiste “apenas” num diálogo sobre o papel dos livros no decurso da História, protagonizado por Umberto Eco e um escritor e cineasta francês, Jean-Claude Carrière. Li as 305 páginas do livro em menos de 48 horas, tal o seu interesse, asserção e humor.
Os autores viajam pelos livros e bibliotecas ao longo de milhares de anos, expondo e trocando pontos de vista, estórias e reflexões que os levam a meditar sobre a “idiotia” e a imbecilidade do mundo, acabando por revelar a eterna preocupação do Homem pelo fogo, principalmente em relação às bibliotecas. Uma conclusão partilhada por ambos: o livro não morrerá, sobrevirá ao e-book: “O livro é, tal como a roda, uma espécie de perfeição inultrapassável na ordem do imaginário”.
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quarta-feira, 15 de julho de 2015
Gomorra – A Série
Acabei de ver em apenas três dias os 12 episódios da primeira temporada da série italiana “Gomorra” baseada no livro de Roberto Saviano (que já tinha originado um filme em 2008, realizado por Matteo Garrone). Benditas boxes dos tempos modernos!
Nesta série confrontam-se dois dos clãs mais poderosos da Camorra, envolvidos no tráfico de drogas: o clã Savastano e o clã Conte. Don Pietro Savastano apoia-se em Ciro Di Marzio, seu braço direito, um homem inteligente e ambicioso, no seu filho Genny e na sua mulher Immacolata.
Sem querer desvendar a história apenas acrescento que em todos os episódios há assassinatos e violência q.b., , numa guerra sem moral entre quem se quer impor num mundo fora da lei. As interpretações são apaixonantes e cruas, as relações familiares são dramáticas e ferozes e a descrição da forma como a Camorra gere o seu território é impressionante.
No décimo segundo episódio assiste-se a uma autêntica reviravolta nos acontecimentos após a simulação e fuga de Don Pietro, a morte de Donna Immacolata e a emboscada no túnel, perspectivando uma excelente segunda temporada.
Absolutamente genial.
terça-feira, 14 de julho de 2015
Cees Nooteboom - Rituais
Esta foi a minha primeira incursão pela obra deste autor holandês. Inni Wintrop é a personagem principal que procura constantemente respostas para as diversas questões do mundo contemporâneo (principalmente sobre Deus, as religiões e o dinheiro), vivendo constantemente em insegurança, com medo, angustiado e deveras cético, pois “o epicentro da estatística parecia encontrar-se perto dele e as estatísticas eram infalíveis”.
Para ele, as convicções políticas “são uma ligeira doença da alma”. As suas crenças são postas em causa por duas pessoas que conhece ao longo da sua vida: Arnold Taads e Philip Taads (pai e filho). Aliás, o livro está dividido em três partes: em 1953 convive com o pai Arnold, em 1963 relata-se o pseudo-suicídio e em 1973 trava conhecimento com o filho Philip.
Na primeira parte, ficamos a saber que Inni, órfão, viveu num colégio interno, foi expulso de quatro escolas e entregue pela sua tia Thérèse a Arnold Taads, ateu e misantropo (gosta mais do seu cão do que das outras pessoas), durante alguns dias. O pai de Inni, que morreu em 1945 num bombardeamento, traiu a mãe com a empregada doméstica e abandonou-a. Era um homem “cujo relacionamento com o mundo tinha falhado”. Em relação a Philip, tratava-se de um monge solitário, que adoptou a reclusão como forma de vida. Sobre o suicídio apenas adianto que Inni foi traído pela mulher Zita, com um fotógrafo italiano.
A obra está carregada de referências a pintores e escritores holandeses, mas também são citados Virginia Woolf, Theodor Fontaine, Yasunari Kawabata, Kitagawa Utamaro, Jean-Paul Sartre e uma água-forte de Baccio Baldini (Sibila Líbia, na foto abaixo). Logo no início, Stendhal anuncia:
“Personne n’ est, au fond, plus tolérant que moi. Je vois des raisons pour soutenir toutes les opinions; ce n’est pas que les miennes ne soient fort tranchées, mais je conçois comment un homme qui a vécu dans des circonstances contraires aux miennes a aussi des idées contraíres”.
(No fundo, ninguém é mais tolerante do que eu. Vejo razões para sustentar todas as opiniões; não porque as minhas não sejam mais nítidas, mas porque concebo que um homem que viveu em circunstâncias contrárias às minhas tenha ideias contrárias.)
A escrita é leve mas cativante e proporciona uma forma densa de pensar sobre os dilemas vitais do homem moderno sem apresentar qualquer panaceia, considerando apenas o homem como ser solitário, incomunicável e egoísta (“o homem é um triste mamífero que se penteia”). Na última página da obra é feita uma alusão a Rikyu, o maior mestre de chá de todos os tempos, que acaba por ser fundamental para a compreensão da história.
segunda-feira, 13 de julho de 2015
No – El Prado
Ouvi pela primeira vez os No (anteriormente conhecidos como Black English), nos créditos finais do filme “Miss Meadows”, através do tema The Long Haul. Procurei de imediato a sua discografia que era composta apenas por um álbum editado em 2014. As influências são notórias, soam demasiado a The National, uma das minhas bandas preferidas (é incrível a semelhança da voz de Bradley Hanan Carter com a de Matt Berninger), e por isso passaram a fazer parte das minhas audições frequentes.
O disco, extremamente consistente, melancólico, com um som enquadrado no indie rock, arranca de forma certeira, com Leave The Door Wide Open onde sobressai a voz de Carter (canta “We come together / We fall apart / We make some noise inside a room and call it art”).
Tal como sucede com os The National, as músicas dos No também se adequam à sua inclusão em filmes pois conseguem aumentar o impacto emocional de qualquer cena, deixando tudo muito mais intenso e poético.
O disco, extremamente consistente, melancólico, com um som enquadrado no indie rock, arranca de forma certeira, com Leave The Door Wide Open onde sobressai a voz de Carter (canta “We come together / We fall apart / We make some noise inside a room and call it art”).
Tal como sucede com os The National, as músicas dos No também se adequam à sua inclusão em filmes pois conseguem aumentar o impacto emocional de qualquer cena, deixando tudo muito mais intenso e poético.
domingo, 12 de julho de 2015
sexta-feira, 10 de julho de 2015
Rui Sousa Basto – Contos do Efémero
Para mim os livros de contos são livros que se vão lendo. Neste caso, e apesar de não ser tarefa fácil, pois estamos a falar de micro-contos, muitas vezes constituídos por um único parágrafo, mantive esta regra.
De uma forma simples, o autor barcelense consegue descrever algumas situações-limite, reveladoras do frágil equilíbrio em que se baseiam as normas vigentes no nosso mundo. Aqui encontramos um escritor obrigado a resumir o seu romance de mil páginas numa única frase, a forma de identificar um líder num grupo, a dificuldade em identificar a mais velha profissão do mundo, políticos internados de urgência devido à corrupção, agentes da autoridade escrupulosos no cumprimento das leis severas mas apenas fora das horas de serviço, octogenárias que, por recusarem os sinais do tempo, não abdicam do uso de máscaras...
De uma maneira geral, estes 30 contos, apesar de efémeros, são deliciosos, devem ser lidos e relidos, surpreendem e são inesquecíveis. Os meus preferidos dão pelo nome de “O Escritor”, “Words, Words, Words”, “Anarquia”, “O Editor” e “Bibliofilia” que reproduzo de seguida:
Palenberg é um bibliófilo compulsivo. A sua biblioteca possui mais de cinquenta mil títulos. Arruma-os nas estantes com um desvelo inigualável. Limpa-os com múltiplos cuidados, dia após dia, do pó que teima em depositar-se em cada volume que repousa nas prateleiras. Ama-os como se fossem filhos seus, carne da sua carne. Todavia, entristece-se por não serem todos do mesmo tamanho – uns mais altos, outros mais baixos -, porque isso dificulta o seu alinhamento. Depois de pensar, pensar e voltar a pensar, tomou uma decisão extrema: cortou todos os livros pela altura do exemplar mais pequeno. Ainda bem que Palenberg não sabe ler.
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