sexta-feira, 10 de julho de 2015

Rui Sousa Basto – Contos do Efémero


Para mim os livros de contos são livros que se vão lendo. Neste caso, e apesar de não ser tarefa fácil, pois estamos a falar de micro-contos, muitas vezes constituídos por um único parágrafo, mantive esta regra.

De uma forma simples, o autor barcelense consegue descrever algumas situações-limite, reveladoras do frágil equilíbrio em que se baseiam as normas vigentes no nosso mundo. Aqui encontramos um escritor obrigado a resumir o seu romance de mil páginas numa única frase, a forma de identificar um líder num grupo, a dificuldade em identificar a mais velha profissão do mundo, políticos internados de urgência devido à corrupção, agentes da autoridade escrupulosos no cumprimento das leis severas mas apenas fora das horas de serviço, octogenárias que, por recusarem os sinais do tempo, não abdicam do uso de máscaras...

De uma maneira geral, estes 30 contos, apesar de efémeros, são deliciosos, devem ser lidos e relidos, surpreendem e são inesquecíveis. Os meus preferidos dão pelo nome de “O Escritor”, “Words, Words, Words”, “Anarquia”, “O Editor” e “Bibliofilia” que reproduzo de seguida:

Palenberg é um bibliófilo compulsivo. A sua biblioteca possui mais de cinquenta mil títulos. Arruma-os nas estantes com um desvelo inigualável. Limpa-os com múltiplos cuidados, dia após dia, do pó que teima em depositar-se em cada volume que repousa nas prateleiras. Ama-os como se fossem filhos seus, carne da sua carne. Todavia, entristece-se por não serem todos do mesmo tamanho – uns mais altos, outros mais baixos -, porque isso dificulta o seu alinhamento. Depois de pensar, pensar e voltar a pensar, tomou uma decisão extrema: cortou todos os livros pela altura do exemplar mais pequeno. Ainda bem que Palenberg não sabe ler.

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