2015 trouxe álbuns fantásticos, uma mão-cheia de revelações e novas vidas de artistas consagrados. Na lista compilada abaixo encontram-se aqueles que mais ouvi:
- Car Seat Headrest – Teens Of Style
- Foals – What Went Down
- Jamie XX - Colours
- Ryan Adams – 1989
- Torres (Mackenzie Scott) - Sprinter
- Father John Misty – I Love You, Honeybear
- Robert Forster – Songs To Play
- Joanna Newsom – Divers
- Sufjan Stevens – Carrie And Lowell
- Grimes – Art Angels
- Benjamin Clementine – At Least For Now
- Wolf Alice – My Love Is Cool
Como 2015 foi um ano rico em edições, destaco ainda outros lançamentos que também mereceram a minha atenção: Beach House (dois discos fantásticos separados por dois meses!), Blur, Tame Impala, Alabama Shakes, Low, Destroyer, Sun Kill Moon, Laura Marling, El Vy (Matt Berninger fora dos The National), Guy Garvey (vocalista dos Elbow), FFS, Belle & Sebastian, Lana Del Rey, The Maccabees, Kurt Vile, Julia Holter e Yo La Tengo.
1. Richard Ford – Canadá
2. Garth Risk Hallberg – Cidade Em Chamas
3. Jonathan Frazen - Purity
4. Philip Roth – A Humilhação
5. V. S. Naipaul – Uma Casa Para Mr. Biswas
6. J. G. Ballard – Arranha-Céus
7. Karl Ove Knausgard – A Minha Luta 2: Um Homem Apaixonado
8. Carlos Ruiz Zafón – A Trilogia Da Neblina
9. António Tavares – O Coro Dos Defuntos
10. Jø Nesbo – O Fantasma
11. James Salter – Tudo O Que Conta
12. Rafael Chirbes – Na Margem
Vinte e cinco anos depois, o filme Sozinho em Casa continua a ser o mais exibido pelas televisões nesta época festiva. A saga de uma criança de oito anos esquecida sozinha em casa pela família que partira de férias e que a protege estoicamente do assalto de dois bandidos trapalhões.
E o que é feito de Macaulay Culkin? Pois bem, actualmente conduz um táxi na série DRYVRS: de cabelo comprido, barba rala e unhas sujas, a criança de Sozinho em Casa é agora um homem casado, irritado (com a mulher que consumiu demasiada droga na noite anterior), amargurado (ainda não esqueceu o que a família lhe fez) e definitivamente perturbado (há um assaltante no episódio e a coisa não acaba bem). Vale a pena ver...
Durante a visualização deste filme aconteceu-me algo inédito e estranho. A história que me estava a ser apresentada fez-me recordar na íntegra um conto fabuloso de Anton Tchekhov, “A Minha Mulher”, que li há vários anos. No livro, Pavel Anndreievitch vive na sua casa de campo, com Natália Gavrilovna, sua mulher. Cada um vive numa parte da casa, vivendo separados há já uns anos. Natália não suporta Pavel, demonstrando-lhe um ódio que Pavel não consegue compreender. Pavel vive sozinho e angustiado sem que consiga descortinar uma única razão para o seu desconforto interior. Quando recebe uma carta anónima pedindo-lhe que faça algo pela população empobrecida de uma localidade vizinha, sente-se entusiasmado pela ideia e, formula planos para organizar uma comissão de solidariedade que angarie os fundos necessários à causa e os distribua de forma justa. Quando expõe a sua ideia à mulher, descobre que esta já estava há muito tempo empenhada no auxílio desta população, tendo inclusive a tal comissão já formada.
No filme “Sono de Inverno”, que dura mais de três horas (mas como acontece em todos os grandes filmes, mal se dá pelo tempo a passar), Pavel é Aydin, um antigo ator, dominado pelo seu ego e pelas fantasias que dissimulam o sonho frustrado de grandiosidade. Aydin gere uma estalagem nas montanhas da Anatólia que fica isolada com a chegada do Inverno, juntamente com a sua irmã recentemente divorciada e a sua jovem mulher, Nihal, muito mais nova, que oscila entre a vontade de se emancipar e a de permanecer numa situação de comodismo privilegiado. Além destas personagens, deparamo-nos com os inquilinos das propriedades desta família, alguns dos quais dominados por uma atitude de servilidade, outros por um violento ressentimento, que parece estar prestes a fazê-los entrar em confronto e rutura.
E tal como o livro citado, o filme também é intenso pois leva-nos a mergulhar em questões de fundo e universais das relações sociais e humanas, acentuando tensões e expondo dilemas e conflitos.
Numa altura em que a ano está quase a terminar, elaborei uma lista com mais alguns filmes que vi e que me proporcionaram puro entretenimento e um afastamento da realidade do quotidiano. E são eles:
- Mandariinid (Tangerinas)
- Turist (Força Maior)
- Clouds of Sils Maria (As Nuvens de Sils Maria)
- Mia Madre (Minha Mãe)
- Dark Places (Lugares Escuros)
- Que Horas Ela Volta?
- Gui Lai (Coming Home)
- Phoenix
- Bolgen (The Wave)
- Mad Max: Fury Road
No que respeita às séries de televisão continuei a seguir Homeland (a sexta temporada ainda vale a pena), Fargo e True Detective (as segundas temporadas são bem inferiores às primeiras) e claro, continuei a seguir Game of Thrones. De entre as estreias, segui Narcos (excelente), Mr Robot, Jessica Jones e Blindspot. Tudo em binge-watching…
Gillian Flynn já me tinha deixado uma excelente impressão quando li “Em Parte Incerta” (Gone Girl). Este “Lugares Escuros” possui um enredo com vários elementos parecidos, como o clima tenso, o drama familiar e uma situação de violência extrema. Chocante e perturbador, por vezes a fazer lembrar a escrita e o ambiente criado por Stephen King nas suas obras.
O livro está dividido em diversos capítulos que estão intercalados no tempo, o que inicialmente poderá originar alguma confusão. Na atualidade (ano de 2009), a bizarra Libby Day vive assombrada com os acontecimentos de há 24 anos atrás, quando a sua mãe e as duas irmãs foram brutalmente assassinadas na casa onde viviam. Libby, na altura com 7 anos, conseguiu sobreviver mas fica com traumas que vão ajudar a moldar a sua personalidade, que a própria assume conhecer bem: anti-social, mentirosa, cleptomaníaca e preguiçosa (vive do dinheiro doado por pessoas que sentiram pena dela). Trata-se de uma personagem principal bastante imperfeita e por vezes até detestável que “partia do princípio de que tudo de mau podia acontecer, porque tudo o que havia de mau no mundo já tinha acontecido”.
Na outra linha temporal é descrita a véspera e o dia dos assassinatos de acordo com as perspectivas da mãe da Libby (Patty) e do irmão (Ben), que foi declarado culpado dos crimes e que se encontra actualmente na prisão. Ben foi acusado e condenado devido ao testemunho da sua irmã mais nova, Libby. É um personagem misterioso, revoltado e sombrio, e no decorrer de todo o livro ficamos com dúvidas sobre se foi ele mesmo o autor do massacre da sua família.
O título da obra é explicado na página 22 e está relacionado com as recordações de Libby do dia dos assassinatos : “…classifiquei essas lembranças como se fossem um lugar particularmente perigoso: um lugar escuro”. No entanto, passados tantos anos Libby já não tem realmente a certeza do que viu e ouviu naquela noite e a falta de provas físicas contra o irmão levam-na a querer descobrir o que realmente se passou.
A autora desenvolve muito bem toda a trama e o recurso narrativo de alternar entre o presente e o passado, resulta por completo pois prende o leitor de uma forma soberba. Por vezes ao ler um policial consegue-se prever o desfecho da história, mas neste caso Gillian Flynn deixa o leitor completamente baralhado sem saber em quem ou em que acreditar durante quase toda a obra. Suspeitos não faltam: Lou Cates (o pai da miúda que acusou Ben de a ter molestado), Runner Day (o egocêntrico marido de Patsy e pai das crianças, que tinha abandonado a família), Trey e Diondra (os amigos satânicos de Ben). Apenas nas últimas páginas, que são surpreendentes, é que se percebe o sucedido e por isso não vou revelar mais detalhes da história. Deixo apenas as primeiras linhas deste romance:
"O clã dos Day podia ter vivido para sempre
Mas Ben Day não regulava bem da mente
De Satanás cobiçava o negro poder
Por isso matou a família com todo o prazer
A pequena Michelle de noite ele estrangulou
A seguir foi Debby que ele esquartejou
A mãe Patty para o fim ele guardou
Com um tiro de caçadeira a cabeça ele lhe rebentou
Da chacina a bébé Libby escapou
Mas para o resto da vida com sequelas ficou.
---- Cantilena entoada no recreio das escolas por volta de 1985."
Tal como o anterior “Gone Girl”, esta obra também originou um filme, realizado por Gilles Paquet-Brenner em 2015, protagonizado pela excelente Charlize Theron (Libby) e pela deslumbrante Chloë Grace Moretz. O ambiente denso e pesado do livro é transcrito de forma exemplar para o filme, que segue de forma rigorosa o seu conteúdo.
1. Jamie XX (ft Romy) – Loud Places
2. Car Seat Headrest – Something Soon
3. Swim Deep – Fueiho Boogie
4. Savages – The Answer
5. Kurt Vile – Pretty Pimpin
6. Balthazar – Nightclub
7. Mercury Rev – The Queen Of Swans
8. The Dead Weather – I Feel Love
9. Eagles Of Death Metal – Skin Tight Boogie
10. Lydia – Late Nights
11. Halsey – New Americana
12. Wolf Alice – My Love’s Whore
Dicionário de Lugares Imaginários, de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi
O apelo da viagem está na compreensão. Visitamos lugares exóticos, descobrimos novas culturas e o mundo deixa de nos parecer tão assustadoramente grande. Quanto mais conhecemos, mais queremos conhecer. E facilmente nos apercebemos de que cada cenário tem as suas próprias histórias e as suas próprias lições. Também é este o papel da literatura. A demonstrá-lo estão as mais de mil páginas que constituem o Dicionário de Lugares Imaginários. Nelas, Alberto Manguel e Gianni Guadalupi descrevem 1200 lugares que conhecemos apenas dos livros, do País das Maravilhas à Ilha do Capitão Sparrow, passando por Xanadu e pelo Reino do El Dorado. É o presente perfeito para viajar por terras incógnitas.
Ten, Nevermind e Core foram dos discos que mais ouvi no início dos anos 90, de um tipo de rock que vingou nesse período e que deu origem ao rock alternativo. Aos 48 anos, o frontman dos Stone Temple Pilots faleceu após uma vida conturbada.
I wanna be as big as a mountain
I wanna fly as high as the sun
(from “Where The River Goes”)
A Cinematic Orchestra apresentou-se no dia de ontem no Theatro Circo em Braga para revisitar a carreira e apresentar alguns temas novos que deverão ser incluídos no novo disco que deverá ser lançado em 2016. A sala estava completamente esgotada há meses.
O concerto do colectivo liderado por Jason Swinscoe foi introduzido por um trio de cordas feminino e português que apenas ensaiou com a banda durante a tarde (soube-se durante o concerto) e que se juntou em palco aos diversos músicos que compõem a Cinematic Orchestra, um conjunto de multi-instrumentistas que funde jazz e música eletrónica em camadas instrumentais de uma intensidade notável.
Em palco, durante pouco mais de uma hora, os temas percorridos pela banda foram essencialmente dos discos — “Motion”, “Everyday” e “Ma Fleur” (deste último, surpreendentemente não se ouviu a banda sonora deste blog, o tema To Build A Home). As canções mantêm a sua estrutura complexa e são uma delícia para os ouvidos vê-la crescer, facto a que a excelência da acústica do Theatro Circo não é alheia.
Um tipo levou a namorada para uma praia deserta. Desaperta-lhe o top do biquíni e ela começa a refilar porque ali não dava jeito, que havia muita areia, que ainda se arranhavam e ia entrar areia por todo o lado, etc.... O rapaz disse então: - Calma! Não há nada que não se resolva!!!
E foi ao carro buscar uma grande toalha da SAGRES, que estendeu. A namorada deitou-se em cima da toalha. Ao puxar-lhe a cueca do biquíni, uma rajada de vento levantou a ponta da toalha e ela reage novamente, dizendo que se iam encher de areia, que a toalha voava, que se arranhavam, etc... E ele: - Calma! Tudo se resolve.
Foi ao carro e trouxe 4 latas de SAGRES, colocando uma em cada canto da toalha, para esta não esvoaçar. Como ela estava sempre a implicar com tudo, teve a ideia de trazer também uma venda do carro para lhe pôr à volta dos olhos.
Continuaram...
Já a rapariga estava nua, quando perguntou: - Trouxeste preservativo?
E o namorado: - Aqui não tenho, vou buscar ao carro.
Enquanto foi ao carro, passou um gajo que andava a fazer jogging. Ao deparar com a tipa nua e vendada, deitada na toalha, primeiro aproxima-se, começa a mexer e, como ela não se nega, não hesita e aqui vai disto, salta-lhe para cima!!!
Após o acto consumado, afasta-se e diz:
- Fo..........-se! Com uma campanha destas, agora é que eles rebentam mesmo com os gajos da Super Bock...
Excelente série documental dividida em 6 episódios com cerca de 60 minutos cada. Com pouco mais de 20 anos a separar os dois conflitos mais cataclísmicos do
século XX – a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais – muitos historiadores defendem que não
foram contendas individuais, mas um contínuo sangrento que começou por afetar a
Europa e se estendeu ao resto do mundo.
Assim, as figuras mais icónicas da 2ª Guerra Mundial, aquelas que
associamos à glória em combate ou ao terrível fascismo, estiveram elas próprias
envolvidas em ambos os conflitos – primeiro, nas trincheiras de Ypres e do
Somme, e, anos mais tarde, muitas vezes no mesmo local, na Batalha das Ardenas
ou na invasão da Normandia.
Adolfo Hitler, Benito Mussolini, George S. Patton, Charles de Gaulle,
Douglas MacArthur… Antes de serem gigantes, foram soldados de infantaria e
soldados rasos na “guerra que poria termo a todas as guerras”. Esta é a
história dessas três devastadoras décadas de confrontos na perspetiva dos
homens que se fizeram nas trincheiras e viriam a comandar um mundo à beira do
abismo.
O trigésimo livro de Philip Roth, com apenas 127 páginas, aborda a tragédia do declínio, do envelhecimento, de forma simples mas com inteligência, subtileza e mesmo alguma psicanálise. Além da questão da decadência do indivíduo também somos obrigados a meditar em temas como o suicídio, a pedofilia e a homossexualidade. As descrições sexuais explícitas também estão presentes. Ao contrário do que é habitual em Roth, não há personagens que pertençam às tradicionais famílias judaicas nem discussões em torno de qualquer religião.
Simon Axler, de 65 anos, é um actor em crise, que já não consegue desempenhar o seu papel quando sobe ao palco e se vê “… aprisionado no papel do homem privado do seu próprio ser, do seu talento e do seu lugar no mundo.” O seu talento foi “desfeito em ar leve” (palavras do seu personagem Próspero de “A Tempestade” de Shakespeare. Também representou MacBeth).
Simon é casado com Victoria, uma bailarina frustrada, que já vai no terceiro casamento e que o abandona após o seu colapso. Apesar dos pensamentos suicidas, Simon prefere contactar o seu médico e o internamento num hospital psiquiátrico. Aí permanece durante vinte e seis dias e conhece Sybil van Buren, que foi lá parar após surpreender o marido a violar a filha!
“Meses depois de Axler ter saído do hospital, o seu enteado morreu de sobredose e o casamento da bailarina desempregada com o actor desempregado acabou em divórcio e chegou ao fim mais uma dos muitos milhões de histórias de homens e mulheres em união infeliz.” Simon inicia assim um período de reclusão.
Entra então em cena Megeen, de 40 anos, filha de um casal de amigos de Simon desde o tempo da juventude (Asa e Carol Stapleford), lésbica desde os vinte e três anos mas decidida a mudar a sua orientação sexual e por isso tornam-se amantes. Megeen tinha acabado recentemente uma relação amorosa de seis anos com Priscilla e mais recentemente tivera um caso de apenas três semanas com a reitora de uma faculdade que lhe tinha arranjado o seu último emprego.
Simon apaixona-se, recupera o ânimo perdido e chega mesmo a pensar em ter um filho. Megeen corresponde, expõe os seus maiores desejos eróticos e apenas receia a opinião dos pais em relação a este romance. E mais não conto apesar de considerar que o fim, com uma referência ao conto de Anton Tchekhov, “A Gaivota”, ser um pouco previsível…
Sobre o título da obra, penso que tem a ver não só com o facto de Simon desaparecer do seu mundo, da sua incapacidade de actuar, mas também com a bailarina desempregada, a reitora obcecada ou a esposa que vê a filha ser violada pelo marido.
O livro foi adaptado ao cinema em 2014 por Barry Levinson (já premiado com um Óscar em 1988 por “Rain Man”) e Simon Axler é interpretado pelo excelente Al Pacino que logo na primeira cena olha para a sua imagem num espelho e questiona a sua capacidade de encarnar outra pessoa. Magnífico!
Existem algumas diferenças em relação ao livro. No filme por vezes a imaginação mistura-se com a realidade, ignora-se a esposa Victoria, há referências a Hemingway, há um comboio na casa do Simon, Priscilla reaparece, há uma gata Emily que leva a uma visita ao veterinário, há uma interpretação do “Rei Lear”, é dado um grande destaque a Sybil, a abordagem sexual é bastante soft e, acima de tudo, tem um final diferente e surpreendente.
Por curiosidade refiro que ainda este ano vi mais três filmes de 2014 bastante interessantes sobre actores em crise: Birdman (de Alejandro G. Iñárritu); Maps To The Stars (de David Cronenberg) e Clouds Of Sils Maria (de Olivier Assayas).
1. The Antlers – Kettering
2. Wolf Alice – Silk
3. Tame Impala – Cause I’m A Man
4. The Weeknd – Can't Feel My Face
5. Patrick Watson – Love Songs For Robots
6. Alabama Shakes – Don’t Wanna Fight
7. John Father Misty – I Love You Honeybear
8. Foals – What Went Down
9. Florence & The Machine – What Kind Of Man
10. Franz Ferdinand + Sparks - Johnny Delusional
11. Damon Albarn – Sister Rust
12. The Naked And The Famous – Girls Like You
“A imaginação é a chave que temos para manter a morte fechada no seu quarto escuro.”
Li os seis livros anteriores de João Tordo: O Livro dos Homens Sem Luz; Hotel Memória; As Três Vidas; O Bom Inverno; Anatomia dos Mártires e O Ano Sabático. Em termos de géneros são difíceis de catalogar. De uma forma geral, gosto da beleza da sua narrativa e da forma como cria personagens únicas, inteligentes, consistentes, em ambientes normalmente enigmáticos, densos, melancólicos e muito diversificados de livro para livro.
A ideia que tenho sobre a sua obra é que predomina a errância dos protagonistas, sempre longe do seu país natal (talvez relacionada com a sua frustração pessoal e profissional – o escritor frustrado em O Bom Inverno, o músico de O Ano Sabático, o estudante a quem morre a namorada em Hotel Memória ou o narrador de As Três Vidas a quem morre o pai).
Tal como em outras obras anteriores, nesta Biografia Involuntária dos Amantes, o narrador não tem nome. É um professor universitário de Língua e Literatura Inglesa em Santiago de Compostela, divorciado de Paula, solitário, com um programa semanal de rádio em Pontevedra e pai de uma adolescente problemática de 16 anos, Andrea. Este personagem conhece o mexicano Miguel de Saldaña Paris no Café Universo no centro de Pontevedra, onde figura uma estátua do poeta espanhol Ramon Valle-Inclán (foto abaixo). Miguel, outro poeta, vivia com uma melancolia persistente, especialmente após o acidente com o javali e o relato da sua história no programa de rádio do narrador.
Miguel foi casado uma portuguesa que conheceu numa viagem de comboio – Teresa de Sousa Inútil (o segundo apelido é inventado – “Inútil” foi o título dado ao primeiro livro, que tentou publicar em Paris), que o abandonou após cinco anos de casamento. Posteriormente, Teresa morreu de cancro e deixou-lhe um manuscrito. Como Miguel não tem coragem para ler esse documento pede ao narrador que o faça, o que o vai motivar a descobrir a raiz da amargura e do desencanto com a vida do seu amigo. Este manuscrito, que se revelaria ser apócrifo, ocupa todo o terceiro capítulo (num total de oito capítulos), único que é narrado por Teresa, a personagem mais complexa do romance, que relata parte da sua vida, desde as suas primeiras relações amorosas com Jaime, colega do liceu, e mais tarde com Raul, até às relações pessoais com os pais e o tio Franquelim.
O narrador não nomeado, decepcionado com os actuais alunos pois “…os alunos pareciam-se cada vez menos tocados pela literatura e cada vez mais distraídos pelas banalidades de um mundo tingido de monotonia”, inicia então um périplo que o vai levar a Londres (entrevista Antonia McKay, anterior chefe de Miguel), ao Canadá (conhece Luís Stockman, vizinha de Teresa em Mont-Tremblant e protagonista em O Ano Sabático – este cruzamento de personagens nos romances de Tordo é habitual. Recordo-me por exemplo de Elsa Gorski de O Bom Inverno e O Ano Sabático), a Lisboa (fala com Jaime e visita Franquelim na prisão), e finalmente, o regresso a Pontevedra.
Os dois biógrafos involuntários da obra são: o Benxamín, o bibliotecário que enviou o manuscrito ao Miguel, e que foi o biógrafo involuntário de Teresa e o narrador não nomeado que acaba por ser o biógrafo involuntário do Miguel.
Como habitualmente existe uma forte ligação à cultura anglo-saxónica, com inúmeras referências (Yeats, Eliot, Auden, Joyce, Woolf, Byatt, McEwan, Ishiguro, Amis, Wilde, Pinter, Kane, Marías, Borges, Bolaño, Byron, Kafka, Charles Mingus, Delphine Seyrig e o filme O Último Ano em Marienbad) e o destaque a escritores que fumam: Pessoa, Camus, Kerouac, Cardoso Pires, Mark Twain, Dylan Thomas, Cortázar e Samuel Beckett. Outros episódios de relevo: a lenda de Léonard du Revenant, a fuga do pai da Teresa para Espanha e a seguir a da própria Teresa com o tio; o affair com a amiga da Andrea, Débora; o esquema falso de prostituição; o contrabando de aparelhos de vídeo VHS e o significado simbólico do postal com uma pintura de Edward Hopper, Rooms By The Sea (foto abaixo): “esperar que, mais cedo ou mais tarde, uma porta se abra e se mude de vida”.
No final da história e apesar do tormento das personagens, em conflito com o passado e sem aceitar o presente, a referida “porta” é aberta. Gostei imenso de ler este livro, será um dos meus preferidos do autor, em conjunto com O Livro dos Homens Sem Luz; As Três Vidas e O Ano Sabático.
Acabei de rever dois documentários fascinantes sobre cinema realizados por Sophie Fiennes e apresentados pelo esloveno Slavoj Žižek (penso que se lê “Slavói Tchitchéqui”). Žižek é um filósofo e sociólogo, com mais de uma dezena de livros traduzidos e publicados em Portugal, o último dos quais chamado “O Islão é Charlie?” onde faz uma reflexão crítica sobre os acontecimentos que tiveram lugar em Paris a 7 de Janeiro de 2015, nos escritórios do jornal Charlie Hebdo.
The Pervert's Guide to Cinema (2006)
No primeiro filme, de 2006, analisa de forma psicanalítica e filosófica diversos filmes (cita 43 películas!) com destaque para a filmografia de Alfred Hitchcock, David Lynch, Charles Chaplin e Andrei Tarkovski. Trata-se de uma análise essencialmente pessoal, e por isso subjectiva, de alguém apaixonado pelo cinema, mas também irreverente e por vezes controverso e com um fortíssimo sotaque inglês (“and so on, and so on”). Por sua vez, o principal contributo da realizadora foi colocar Žižek nas cenas dos filmes e assim criar a ilusão de que Žižek fala a partir do interior dos próprios filmes.
Relativamente ao conteúdo do filme, Žižek começa por abordar a dicotomia entre a realidade e a ficção, depois desenvolve um tema bem Freudiano, a libido, e termina a discutir os valores simbólicos apresentados nos filmes. Achei bastante interessante a análise da casa de Norman Bates em “Psico”, com três andares e a consequente distinção entre ego, super ego e id, a tentativa de explicar os modelos de comportamento de Hollywood bem como os sonhos de David Lynch, onde a realidade e a fantasia caminham lado a lado, e a figura opressiva dos pais nos seus filmes. Também adorei ver extractos de alguns dos meus filmes preferidos e alguns personagens que já não via há algum tempo (como o Bobby Peru, de “Wild At Heart”).
Na minha opinião, o que Žižek pretende é, através de revelações psicoanalíticas, dizer que falar sobre os filmes é falar sobre nós mesmos.
The Pervert's Guide to Ideology (2012)
No segundo filme, realizado seis anos mais tarde, Žižek continua a procurar significados escondidos em filmes mas em torno do conceito de “ideologia”, destacando-se essencialmente a vida em sociedade, os regimes de governação e a religião. O número de filmes abordados é inferior (24) mas são referidos outros factores que terão influenciado a tal “ideologia”: um anúncio comercial da Coca-Cola e outro do Ovo Kinder Surpresa; a Nona Sinfonia de Beethoven (Hino à Alegria); a revolta em Londres em 2011; os atentados de Oslo (Breivik); uma música dos Rammstein; a política comercial da Starbucks; o cemitério de aviões no deserto de Mojave; a Primavera de Praga em 1968; as armas de destruição maciça no Iraque e a expressão de Sartre de 1943: “Se Deus não existe, então tudo é permitido”. No entanto, o principal factor é apresentado como “The Big Other”…
Estes documentários são para se ver várias vezes pois a primeira visualização pode deixar-nos um pouco perdidos no meio de tanta informação, o que me levou a consultar alguns livros sobre cinema da minha biblioteca (foto abaixo). A segunda visualização já permite compreender melhor a complexidade psicológica apresentada por Žižek. Spoiler alert: alerto para o facto de que quem não viu alguns filmes citados vai ficar a conhecer o seu final.
Um homem assistia a um jogo de futebol pela televisão, mas mudava de canal a cada momento, do canal de desporto para um filme porno, que mostrava um casal em plena acção.
- "Não sei se assista ao filme, ou se veja o jogo", disse para a mulher.
- "Pelo amor de Deus, assiste ao filme..." respondeu ela. "Futebol já tu sabes jogar".
Nos últimos meses li várias obras sobre o amor desmesurado pelos livros, bibliotecas e pela literatura. Obras que mostram como os livros são maravilhosos, reconfortantes e surpreendentes.
A Casa de Papel – Carlos María Domínguez
Neste minúsculo livro, Bluma Lennon é uma professora universitária que é vítima de um acidente mortal enquanto lia um poema de Emily Dickinson. O seu substituto na universidade, recebe um envelope dirigido à falecida que contém um exemplar do livro de Joseph Conrad “A Linha da Sombra”. No entanto, este exemplar tem a capa e a contracapa cheias de cimento, e quem o recebeu não resiste a procurar o remetente de tal objecto...
O amor pelos livros está patente ao longo de todo o livro: “Os livros avançam pela casa, silenciosos, inocentes. Não consigo detê-los” (página 15); “Preciso de ler todo o aparato, esclarecer o sentido de cada conceito e, por isso, dificilmente me sento a ler um livro sem vinte ao lado, às vezes para completar a interpretação de um só capítulo” (página 31) ou “Eu fodo com cada livro e, se não houver marcas, não há orgasmo” (página 35).
Jacques Bonnet – Bibliotecas Cheias de Fantasmas
Mais uma preciosidade para os amantes da leitura. Este livro está dividido em nove capítulos e o autor, com base na sua experiência pessoal, aborda temas como as bibliotecas gigantes, as bibliomanias, a arrumação dos livros e as práticas de leitura. Como a minha biblioteca já ultrapassou o milhar de exemplares, identifiquei-me com alguns dos “problemas” que o autor relata no capítulo “Arrumar e Classificar”.
Ao longo da obra deparamo-nos com inúmeras referências literárias o que nos leva a querer ler mais e melhor, descobrir coisas diferentes e alargar os nossos horizontes. A título de exemplo, no capítulo oito é feita uma alusão a um episódio de The Twilight Zone (A Quinta Dimensão), a série de televisão dos anos 60, chamado "Time Enough At Last", no qual um bancário não tem tempo para se dedicar à sua actividade preferida: a leitura…
Daniel Pennac – Como Um Romance
Retrata a iniciação ao mundo da leitura, desde a infância até à idade adulta e está repleto de citações e histórias surpreendentes sobre o amor aos livros. Contém os conhecidíssimos direitos inalienáveis do leitor (no foto abaixo) e 21 razões para ler (páginas 68 e 69).
Neste tratado sobre a leitura, Pennac considera que «ler» não deve ser um trabalho forçado. O ideal é tirar o melhor partido de um livro e ler acima de tudo com gosto.
“Há quem nunca tenha lido e por isso tenha vergonha, há os que já não conseguem arranjar tempo para ler e que por isso se lamentam, há os que nunca lêem romances, só livros úteis, ensaios, obras técnicas, biografias, livros de história; há os que lêem tudo, que «devoram» e, cujos olhos brilham, há os que só lêem os clássicos, meu caro senhor, «pois a melhor crítica é o crivo do tempo», há os que passam a idade madura a «reler», e os que leram o último de fulano e o último de cicrano, porque, meu caro senhor, temos de estar a par…
Mas todos, todos, em nome da necessidade de ler” (página 66).
Zoran Zivkovic – A Biblioteca
Nesta viagem de ida ao mundo dos livros entramos em simultâneo no mundo da magia e fantasia. São 6 contos, todos com a palavra Biblioteca no início do título ao que acresce Virtual, Particular, Nocturna, Infernal, Minimal e Requintada. Aqui encontramos um escritor que descobre na sua caixa de e-mail um link para uma Biblioteca Virtual que afirma ter lá “tudo”; um homem que sempre que abre a sua caixa de correio encontra o mesmo livro (chamado “Literatura Universal”) originando problemas de arrumação na sua casa; a existência de uma biblioteca especial só com livros de todas as vidas do planeta; um indivíduo que tem de prestar contas no inferno por não ter lido nenhum livro durante toda a sua vida (claro que a terapia obrigatória é a leitura!); um livro que muda de título e conteúdo sempre que é aberto e uma pessoa avessa a edições de bolso mas que não se consegue livrar delas… Delicioso!
Jorge Luis Borges – O Livro de Areia
Este livro contém 13 contos e vou destacar apenas o último, “O Livro de Areia” pois é o único que versa sobre o mundo dos livros. A história é similar às histórias de Zivkovic, com um elemento fantástico presente: um indivíduo é convencido a comprar um livro que não tem nem a primeira nem a última página (daí a origem do título do conto, pois nem o livro nem a areia têm princípio nem fim).
Por curiosidade menciono que 31 anos antes (e em muito melhor forma), Borges na sua obra-prima “Ficções” de 1944 incluiu o famosíssimo e obrigatório conto metafísico “A Biblioteca de Babel”, retratando uma realidade em que o mundo é composto por uma infinidade de livros em que estes abarcam todas as possibilidades da realidade.
Umberto Eco – A Biblioteca
Este opúsculo, de leitura bastante rápida, baseia-se na conferência dada no dia 10 de Março de 1981, data da comemoração dos vinte e cinco anos de actividade da Biblioteca Municipal de Milão, pelo sempre provocatório e genial Umberto Eco.
Eco começa por apresentar as razões para a existência das bibliotecas (“a principal função da biblioteca é de descobrir livros de cuja existência não se suspeitava e que, todavia, se revelam extremamente importante para nós”) concluindo que uma Biblioteca deverá ter como principal objectivo ser um espaço convidativo à permanência, à consulta, à leitura e à pesquisa no local. Posteriormente estabelece de forma irónica várias alíneas que sustentam uma biblioteca ideal (da letra a à letra s).
Umberto Eco e Jean-Claude Carrière – A Obsessão do Fogo
A obra consiste “apenas” num diálogo sobre o papel dos livros no decurso da História, protagonizado por Umberto Eco e um escritor e cineasta francês, Jean-Claude Carrière. Li as 305 páginas do livro em menos de 48 horas, tal o seu interesse, asserção e humor.
Os autores viajam pelos livros e bibliotecas ao longo de milhares de anos, expondo e trocando pontos de vista, estórias e reflexões que os levam a meditar sobre a “idiotia” e a imbecilidade do mundo, acabando por revelar a eterna preocupação do Homem pelo fogo, principalmente em relação às bibliotecas. Uma conclusão partilhada por ambos: o livro não morrerá, sobrevirá ao e-book: “O livro é, tal como a roda, uma espécie de perfeição inultrapassável na ordem do imaginário”.
Acabei de ver em apenas três dias os 12 episódios da primeira temporada da série italiana “Gomorra” baseada no livro de Roberto Saviano (que já tinha originado um filme em 2008, realizado por Matteo Garrone). Benditas boxes dos tempos modernos!
Nesta série confrontam-se dois dos clãs mais poderosos da Camorra, envolvidos no tráfico de drogas: o clã Savastano e o clã Conte. Don Pietro Savastano apoia-se em Ciro Di Marzio, seu braço direito, um homem inteligente e ambicioso, no seu filho Genny e na sua mulher Immacolata.
Sem querer desvendar a história apenas acrescento que em todos os episódios há assassinatos e violência q.b., , numa guerra sem moral entre quem se quer impor num mundo fora da lei. As interpretações são apaixonantes e cruas, as relações familiares são dramáticas e ferozes e a descrição da forma como a Camorra gere o seu território é impressionante.
No décimo segundo episódio assiste-se a uma autêntica reviravolta nos acontecimentos após a simulação e fuga de Don Pietro, a morte de Donna Immacolata e a emboscada no túnel, perspectivando uma excelente segunda temporada.
Esta foi a minha primeira incursão pela obra deste autor holandês. Inni Wintrop é a personagem principal que procura constantemente respostas para as diversas questões do mundo contemporâneo (principalmente sobre Deus, as religiões e o dinheiro), vivendo constantemente em insegurança, com medo, angustiado e deveras cético, pois “o epicentro da estatística parecia encontrar-se perto dele e as estatísticas eram infalíveis”.
Para ele, as convicções políticas “são uma ligeira doença da alma”. As suas crenças são postas em causa por duas pessoas que conhece ao longo da sua vida: Arnold Taads e Philip Taads (pai e filho). Aliás, o livro está dividido em três partes: em 1953 convive com o pai Arnold, em 1963 relata-se o pseudo-suicídio e em 1973 trava conhecimento com o filho Philip.
Na primeira parte, ficamos a saber que Inni, órfão, viveu num colégio interno, foi expulso de quatro escolas e entregue pela sua tia Thérèse a Arnold Taads, ateu e misantropo (gosta mais do seu cão do que das outras pessoas), durante alguns dias. O pai de Inni, que morreu em 1945 num bombardeamento, traiu a mãe com a empregada doméstica e abandonou-a. Era um homem “cujo relacionamento com o mundo tinha falhado”. Em relação a Philip, tratava-se de um monge solitário, que adoptou a reclusão como forma de vida. Sobre o suicídio apenas adianto que Inni foi traído pela mulher Zita, com um fotógrafo italiano.
A obra está carregada de referências a pintores e escritores holandeses, mas também são citados Virginia Woolf, Theodor Fontaine, Yasunari Kawabata, Kitagawa Utamaro, Jean-Paul Sartre e uma água-forte de Baccio Baldini (Sibila Líbia, na foto abaixo). Logo no início, Stendhal anuncia:
“Personne n’ est, au fond, plus tolérant que moi. Je vois des raisons pour soutenir toutes les opinions; ce n’est pas que les miennes ne soient fort tranchées, mais je conçois comment un homme qui a vécu dans des circonstances contraires aux miennes a aussi des idées contraíres”.
(No fundo, ninguém é mais tolerante do que eu. Vejo razões para sustentar todas as opiniões; não porque as minhas não sejam mais nítidas, mas porque concebo que um homem que viveu em circunstâncias contrárias às minhas tenha ideias contrárias.)
A escrita é leve mas cativante e proporciona uma forma densa de pensar sobre os dilemas vitais do homem moderno sem apresentar qualquer panaceia, considerando apenas o homem como ser solitário, incomunicável e egoísta (“o homem é um triste mamífero que se penteia”). Na última página da obra é feita uma alusão a Rikyu, o maior mestre de chá de todos os tempos, que acaba por ser fundamental para a compreensão da história.
Ouvi pela primeira vez os No (anteriormente conhecidos como Black English), nos créditos finais do filme “Miss Meadows”, através do tema The Long Haul. Procurei de imediato a sua discografia que era composta apenas por um álbum editado em 2014. As influências são notórias, soam demasiado a The National, uma das minhas bandas preferidas (é incrível a semelhança da voz de Bradley Hanan Carter com a de Matt Berninger), e por isso passaram a fazer parte das minhas audições frequentes.
O disco, extremamente consistente, melancólico, com um som enquadrado no indie rock, arranca de forma certeira, com Leave The Door Wide Open onde sobressai a voz de Carter (canta “We come together / We fall apart / We make some noise inside a room and call it art”).
Tal como sucede com os The National, as músicas dos No também se adequam à sua inclusão em filmes pois conseguem aumentar o impacto emocional de qualquer cena, deixando tudo muito mais intenso e poético.
Para mim os livros de contos são livros que se vão lendo. Neste caso, e apesar de não ser tarefa fácil, pois estamos a falar de micro-contos, muitas vezes constituídos por um único parágrafo, mantive esta regra.
De uma forma simples, o autor barcelense consegue descrever algumas situações-limite, reveladoras do frágil equilíbrio em que se baseiam as normas vigentes no nosso mundo. Aqui encontramos um escritor obrigado a resumir o seu romance de mil páginas numa única frase, a forma de identificar um líder num grupo, a dificuldade em identificar a mais velha profissão do mundo, políticos internados de urgência devido à corrupção, agentes da autoridade escrupulosos no cumprimento das leis severas mas apenas fora das horas de serviço, octogenárias que, por recusarem os sinais do tempo, não abdicam do uso de máscaras...
De uma maneira geral, estes 30 contos, apesar de efémeros, são deliciosos, devem ser lidos e relidos, surpreendem e são inesquecíveis. Os meus preferidos dão pelo nome de “O Escritor”, “Words, Words, Words”, “Anarquia”, “O Editor” e “Bibliofilia” que reproduzo de seguida:
Palenberg é um bibliófilo compulsivo. A sua biblioteca possui mais de cinquenta mil títulos. Arruma-os nas estantes com um desvelo inigualável. Limpa-os com múltiplos cuidados, dia após dia, do pó que teima em depositar-se em cada volume que repousa nas prateleiras. Ama-os como se fossem filhos seus, carne da sua carne. Todavia, entristece-se por não serem todos do mesmo tamanho – uns mais altos, outros mais baixos -, porque isso dificulta o seu alinhamento. Depois de pensar, pensar e voltar a pensar, tomou uma decisão extrema: cortou todos os livros pela altura do exemplar mais pequeno. Ainda bem que Palenberg não sabe ler.
Uma senhora de meia-idade teve um ataque de coração e foi parar ao hospital.
Na mesa de operações, quase às portas da morte, vê Deus e pergunta:
- Já está na minha altura?
Deus responde:
- Ainda não. Tens mais 43 anos, 2 meses e 8 dias de vida.
Depois de recuperar, a senhora decide ficar no Hospital e fazer uma lipoaspiração, algumas cirurgias plásticas, um facelift,... Como tinha ainda alguns anos de vida, achou que poderia ficar ainda bonita e gozar o resto dos seus dias.
Quando saiu do Hospital, ao atravessar a rua, foi atropelada por uma ambulância e morreu.
A senhora, furiosa, ao encontrar-se com Deus, pergunta-lhe:
- Então eu não tinha mais 40 anos de vida? Porque que é que não me desviaste do caminho da ambulância?
Mais um pedido especial que adorei satisfazer: elaborar uma lista com os melhores filmes sobre escritores. Inicialmente ia conter apenas 20 películas, mas a dificuldade em os seleccionar obrigou-me a aumentá-la para, em primeiro lugar, 30 títulos e, posteriormente, acabou por ficar com 50. Aceito sugestões sobre filmes em falta…
1. Midnight in Paris (2011, Woody Allen) – Paris “by night and day” e a Belle Époque combinam de forma eficaz: arte, cultura, história, sensibilidade e nostalgia.
2. La Grande Bellezza (2013, Paolo Sorrentino) – Retrato da Roma actual, através da história de um escritor que após um único sucesso literário há decadas não voltou a escrever mais nada e rendeu-se aos luxos e prazeres de todos os géneros, como as festas glamorosas no seu apartamento com terraço mesmo ao lado do Coliseu.
3. Capote (2005, Bennett Miller) – Destaque para o desempenho notável de Philip Seymour Hoffman no papel de Truman Capote na altura em que escreveu «A Sangue Frio», o seu livro mais popular, sobre o assassinato de uma família do Kansas.
4. 84 Charing Cross Road (1987, David Hugh Jones) – Uma escritora norte-americana, entusiasta por obras raras, corresponde-se ao longo de 20 anos com um livreiro londrino (Anthony Hopkins). Baseado em factos reais.
5. Reprise (2006, Joachim Trier) – Impressionante filme norueguês onde dois amigos tentam ganhar a vida como escritores. Um deles tem um êxito estrondoso enquanto o outro é rejeitado pelas editoras por falta de talento…
6. An Angel at My Table (1990, Jane Campion) – História da escritora Janet Frame com a sua atribulada vida familiar, a passagem por hospitais psiquiátricos e finalmente a redenção como mulher e como escritora.
7. Stranger Than Fiction (2006, Marc Forster) – comédia na qual um funcionário das finanças descobre que a sua vida está a ser narrada por "alguém" (Emma Thompson), e que o seu final pode não ser o mais feliz…
8. Das Leben der Anderen (The Lives Of Others) (2006, Florian Henckel von Donnersmarck) – Filme alemão passado durante a Guerra Fria que acompanha a gradual desilusão do Capitão Gerd Wiesler, um oficial altamente credenciado da Stasi, polícia secreta da Alemanha Oriental, cuja missão é espiar um famoso escritor e a sua esposa…
9. Providence (1977, Alain Resnais) – A história de um escritor na fase final da sua vida que luta com um cancro ao mesmo tempo que tenta finalizar o seu último romance onde mistura realidade e ficção para retratar os elementos da sua família como pessoas desprezíveis.
10. Violette (2013, Martin, Provost) – Tendo como cenário Paris, pré-Segunda Guerra Mundial, aborda a relação de duas amigas apaixonadas pela literatura: Violette Leduc e Simone de Beauvoir.
11. Deconstructing Harry (1997, Woody Allen) - Harry é um escritor que para se inspirar utiliza factos relacionados com a sua vida privada, o que vai irritar os seus entes mais queridos...
12. Smoke (1995, Wayne Wang) – A clientela de uma tabacaria em Brooklyn, inclui, entre outros, um escritor desinspirado (William Hurt) após a morte da esposa. Argumento de Paul Auster.
13. Deathtrap (1982, Sidney Lumet) – Um argumentista de sucesso da Broadway (Michael Caine), a passar por uma crise de criatividade, engendra um plano para se apoderar de uma história desenvolvida por um autor desconhecido (Christopher Reeve).
14. The Hours (2002, Stephen Daldry) – A história de como o romance “Mrs. Dalloway” (Virginia Wolf) afectou três gerações de mulheres (com as fantásticas Meryl Streep, Nicole Kidman e Julianne Moore).
15. Words (2012, Brian Klugman and Lee Sternthal) – Um autor desconhecido edita um romance que se torna um êxito estrondoso. Só que não foi ele que o escreveu…
16. Before Night Falls (2000, Julian Schnabel) – Sobre a vida do escritor cubano Reinaldo Arenas (Javier Bardem), exilado nos Estados Unidos devido às suas obras e ao seu comportamento homossexual.
17. The Ghost Writer (2010, Roman Polanski) - Um escritor-fantasma (Ewan McGregor) aceita a tarefa de terminar de escrever as memórias do Primeiro-Ministro britânico, Adam Lang.
18. Iris (2001, Richard Eyre) – Biografia da escritora inglesa Iris Murdoch (com as sempre magníficas Judi Dench e Kate Winslet), desde os seus dias de estudante até à luta contra a doença de Alzheimer.
19. Before Sunset (2004, Richard Linklater) - Nove anos após o primeiro encontro (em "Before Sunrise"), Jesse (Ethan Hawke), que escreveu um livro a contar aquela história, encontra-se em Paris a promover esse livro e encontra Celine (Julie Delpy).
20. Limitless (2011, Neil Burger) – Um escritor com falta de criatividade experimenta uma droga que lhe aumenta significativamente a capacidade intelectual.
21. Barton Fink (1991, the Coen Brothers) – Um argumentista procura inspiração após ter sido atingido por um bloqueio de tal natureza que não consegue escrever nada.
22. Becoming Jane (2007, Julian Jarrold) - Biografia da talentosa escritora Jane Austen (Anne Hathaway), que retrata o suposto romance de Jane com Thomas Lefroy, a inspiração das suas maiores obras.
23. Misery (1990, Rob Reiner) - Após sofrer um acidente de automóvel, um escritor é salvo por uma ex-enfermeira (a fabulosa Kathy Bates), que é uma fã maníaca dos seus livros. Baseado numa obra de Stephen King.
24. The Life Of Emile Zola (1937, William Dieterle) – A ascensão de Emile Zola como escritor que vive em Paris, em 1862 com Paul Cezane e o seu envolvimento na defesa de Alfred Dreyfus, um militar condenado injustamente.
25. Sylvia (2003, Christine Jeffs) – História trágica da lendária escritora norte-americana Sylvia Plath (Gwyneth Paltrow) que foi casada com o poeta britânico Ted Hughes (Daniel Craig).
26. Ruby Sparks (2012, Jonathan Dayton and Valerie Faris) - Um jovem escritor com falta de inspiração encontra o amor criando uma personagem (Ruby) que ele acredita que o irá amar…
27. Secret Window (2004, David Koepp) – Mais um título baseado na obra de Stephen king: um escritor de sucesso envolvido numa crise criativa, vê bater à sua porta um indivíduo que afirma ser o autor de uma das suas obras.
28. Finding Neverland (2004, Marc Forster) – Este filme relata a forma como James Matthew Burrie foi buscar a inspiração para criar o famoso clássico da literatura infantil “Peter Pan”.
29. Sunset Boulevard (1950, Billy Wilder) - O fracassado argumentista Joe Gillis refugia-se na casa da ex-estrela de filmes mudos Norma Desmond, fugindo de dívidas por pagar…
30. Saving Mr. Banks (2013, John Lee Hancock) – Walt Disney (Tom Hanks) demorou cerca de 20 anos a convencer a autora do livro “Mary Poppins”, P. L. Travers (Emma Thompson), para fazer um dos filmes mais cativantes da história cinematográfica.
31. Manhattan (1979, Woody Allen) - Um escritor divorciado (Woody Allen) procura uma nova vida, após a sua ex-mulher o trocar por outra mulher e, além disso, escrever um livro com detalhes muito particulares do seu relacionamento.
32. The Last Station (2009, Michael Hoffman) - História de Leo Tolstói e da sua dedicada esposa, amante, musa e secretária, Sofia (Helen Mirren), que copiou o manuscrito de “Guerra e Paz” seis vezes à mão…
33. A Man For All Seasons (1966, Fred Zinnemann) - No século XVI, Henrique VIII quer separar-se da sua primeira esposa para se casar com Ana Bolena e para isso procura obter o apoio de um fervoroso católico, Sir Thomas More.
34. The Whole Wide World (1996, Dan Ireland) – Texas, anos 30 e a relação entre o escritor Robert E. Howard (autor de “Conan, O Bárbaro”) e a professora aspirante a escritora Novalyne Price Ellis.
35. The Shining (1980, Stanley Kubrick) – Mais um filme baseado num livro do mestre do terror, Stephen King. Um escritor (Jack Nicholson) chega a um hotel isolado, com a sua mulher e um filho pequeno com o objectivo de escrever um livro.
36. Infamous (2006, Douglas McGrath) – Elenco de luxo neste filme que retrata a investigação de Truman Capote a um crime brutal ocorrido em 1959 e que inspirou o seu livro “A Sangue Frio”.
37. Henry Fool (1997, Hal Hartley) – Henry Fool é um escritor, que sonha ver o seu livro “Confissões” entrar para a história da literatura, ao mesmo tempo que incentiva o seu senhorio a escrever um poema épico…
38. Il Postino (O Carteiro de Pablo Neruda) (1994, Michael Radford) – História de um humilde carteiro que deseja aprender a fazer poesia após desenvolver uma amizade com o poeta chileno Pablo Neruda.
39. Adaptation (2002, Spike Jonze) – Um escritor (Nicholas Cage) com falta de auto-estima e alguma frustração sexual, tenta adaptar para cinema o romance “The Orchid Thief”, de Susan Orlean (Meryl Streep).
40. Following (1998, Christopher Nolan) – Um escritor londrino desempregado segue desconhecidos na rua para arranjar inspiração para o seu trabalho…
41. Wonder Boys (2000, Curtis Hanson) – Grady Tripp (Michael Douglas) é um professor universitário e um escritor com um bloqueio de criatividade, que é abandonado pela esposa e cuja amante aparece gravida…
42. Le Mépris (1963, Jean-Luc Godard) – Filme francês baseado na obra de Alberto Moravia, no qual um argumentista vai para Roma trabalhar numa adaptação de “Odisseia”, de Homero, feita pelo realizador Fritz Lang.
43. Wilde (1997, Brian Gilbert) – Biografia do escritor irlandês, Oscar Wilde, o Primeiro Homem Moderno.
44. The Magic Of Belle Isle (2012, Rob Reiner) - Monte Wildhorn (Morgan Freeman) é um escritor de sucesso, mas os seus problemas com a bebida impedem-o de continuar a sua paixão pela literatura.
45. Copie conforme (2010, Abbas Kiarostami) – História simples do encontro numa pequena aldeia no Sul da Toscana, entre um homem, um autor britânico que acabou de fazer uma apresentação do seu livro e uma mulher francesa (a encantadora Juliette Binoche), proprietária de uma galeria de arte.
46. Quills (2000, Philip Kaufman) – As memórias do Marquês de Sade escritas quando esteve preso no manicómio de Charenton, perto de Paris, durante a Revolução Francesa.
47. Finding Forrester (2000, Gus Van Sant) – Um escritor em reclusão, William Forrester (Sean Connery), tem um encontro inesperado com um jovem de 16 anos que tem uma paixão secreta pela escrita.
48. Henry & June (1990, Philip Kaufman) – Paris, 1931, e as relações entre a escritora Anaïs Nin (Maria de Medeiros) e o escritor Henry Miller e a sua esposa June (Uma Thurman).
49. Bright Star (2009, Jane Campion) – Os três últimos anos da vida do poeta John Keats, com destaque para a sua relação com Fanny Brawne.
50. Enid – TV Movie (2009, James Hawes) – Biografia da prolifica escritora britânica Enid Blyton (Helena Bonham Carter).
Para este mês as obras que seleccionei para ler são:
- Richard Ford – Canadá
- Knut Hamsun – Fome
- Zoran Zivkovic – O Grande Manuscrito
- Gabriel García Márquez – Viver Para Contá-la
- Alberto Manguel – Uma História da Leitura
Depois de nos últimos dois filmes (Frankenweenie e Dark Shadows) me ter desiludido, Tim Burton parece regressar à boa forma nesta película baseada em factos verídicos. Trata-se da história da insegura pintora Margaret Keane (a encantadora Amy Adams), uma das artistas mais rentáveis em termos comerciais dos anos 50 do século passado, muito devido aos seus retratos de crianças com olhos grandes e assustadores. Defensora das causas feministas, teve que lutar contra o próprio marido no tribunal, já que o também pintor Walter Keane (mais um extraordinário papel para Christoph Waltz) afirmou ser o verdadeiro autor das suas obras até à sua morte. Surpreendente é o facto de a farsa durar mais de dez anos e a própria Margaret ser conivente com a mesma. Lana Del Rey empresta a voz em “Big Eyes” e “I Can Fly”. Delicioso.
- Tom Odell – Another Love
- Royal Blood – Little Monster
- Sharon Van Etten – Every Time The Sun Comes Up
- James Bay – Hold Back The River
- Zack Hemsey – Vengeance
- Lucy Rose – Our Eyes
- The Subways – I’m In Love And It’s Burning In My Soul
- Mini Mansions (Ft. Alex Turmner) – Vertigo
- Laura Marling – I Feel Your Love
- Years & Years – Take Shelter
- Peace – Lost On Me
- FKA Twigs – Video Girl
Este romance proporciona uma leitura agradável devido à fluidez linguística e à forma muito real e palpável como os assuntos são abordados. Extremamente hilariante, dada a forma ora séria ora despreocupada como o personagem encara a sua realidade, este é um livro que se lê de um fôlego sem grandes necessidades de pararmos para pensar. À semelhança de outras obras já lidas do mesmo autor, também nos faz soltar grandes gargalhadas devido à forma tão british como os personagens usam e abusam de humor e ironia e abordam as questões da sua vida e as da própria sociedade.
Desmond Bates é um recém-reformado professor universitário de linguística de 61 anos, tem uma cultura acima da média, uma mente lúcida, um sentido de humor agudo e contagiante, mas com problemas sérios de surdez que aliados à sua constante monotonia dão origem a diversas peripécias trágico-cómicas, despertando empatia no leitor. Segundo este personagem, o quadro de Goya, The Dog (1819-1823), apresentado abaixo, simboliza a surdez, que “é cómica enquanto a cegueira é trágica”.
Aliás, é impressionante a quantidade de trocadilhos e confusões geradas na comunicação, o que deve ter dificultado o trabalho da tradutora, obrigada a recorrer por diversas vezes a notas de rodapé. A título de exemplo eis algumas frases “ouvidas” por Desmond:
“Pois foi, estávamos perto cacafone. Hermafrodita, mas infelizmente o purismo eu cabidela.”;
“A última vez que fodi a franga tive tanto calor que passámos a maior parte do tempo nas águas furtadas”.
A narrativa varia entre a primeira e a terceira pessoa do singular e procura-se essencialmente uma dignidade para a surdez. Trata-se de uma espécie de diário, onde Desmond regista os acontecimentos que marcam os seus dias e as reflexões que os mesmos lhe suscitam. É quase um recurso terapêutico, uma forma de racionalizar e dissecar as mudanças que a sua vida tranquila sofre em consequência das crescentes dificuldades auditivas que o afligem e da reforma a que essas mesmas limitações quase o obrigaram.
No seu dia-a-dia, Desmond tem de lidar com a sua bem sucedida segunda esposa (a quem trata por “você”), com o seu obstinado pai (também surdo) e com uma estudante que o deseja como orientador numa tese de doutoramento com um tema algo invulgar (análise linguística do conteúdo de bilhetes de suicídio). É esta jovem, Alex Loom, que despoleta alguma instabilidade e inquietação na sua vida quando o convida para visitar o seu apartamento e porque para Desmond “a maneira como se trata os livros é uma mostra do seu comportamento cívico”. Quando Alex convida Desmond para a castigar, na sua casa, Desmond imagina-a na obra de Edvard Munch de 1894, Puberty, que passa a significar: “Alex à espera de Desmond para a castigar”.
Outros factos que contrastam com o humor presente em quase toda a obra são o agravar do estado de saúde do pai (o sistema de saúde britânico também é severamente criticado), o relato angustiante da visita a Auschwitz e a descrição das circunstâncias que provocaram a morte da ex-mulher. Além disso, também se encontram referências a música clássica, alguns filmes, locais de Inglaterra, desportos (golfe e ténis), diversa literatura e, claro, a descrição da vida académica, com os seus professores e, tal como no nosso país, com alunos cada vez mais problemáticos.
Como na parte final do livro Lodge assume o carácter autobiográfico da obra, ao terminar a leitura ficámos com a sensação de que todas as situações descritas terão realmente ocorrido. Além disso, obriga-nos, àqueles que não têm problemas de audição, a fazer as nossas próprias reflexões tendo em conta as questões suscitadas e a forma como foram tratadas.
Laura Hillenbrand andou a pesquisar informação de forma meticulosa durante 7 anos para depois relatar uma incrível história verídica de forma pujante mas por vezes perturbadora. A sua leitura é agradável, óptima para quem gosta de História e biografias. Louis Zamperini é-nos apresentado desde a sua infância e idade adulta até aos seus últimos anos de vida.
Na adolescência era um rebelde, desordeiro compulsivo, fugiu de casa, praticava pequenos furtos, e as suas aventuras terminavam sempre “a correr como um louco”. Desta forma, descobriu que tinha um talento, a corrida, o que o levou aos Jogos Olímpicos de Berlin em 1936, sempre incentivado pelo irmão Pete. Ficou em 8º lugar nos 5000 metros e apertou a mão a Hitler.
Com o advento da Segunda Guerra Mundial foi obrigado a desistir do seu sonho e começou a formação para artilheiro em bombardeiros. Após várias missões no Pacífico, os motores do seu avião deixaram de funcionar e caiu no oceano. De uma tripulação de onze elementos, sobreviveram apenas três num pequeno bote. Ao fim de 42 dias, apenas dois aguentam o sofrimento: Louis e Phil. Finalmente, após 47 dias, muitas queimaduras, frio, fome e sede, lutas com tubarões, tiros de aviões inimigos, avistam uma ilha mas são recebidos por um navio militar japonês!
Iniciou-se então um período terrível, que durou cerca de dois anos, nos campos de concentração japoneses, com fome, trabalhos forçados, espancamentos diários e torturas cruéis inimagináveis, comandadas pelo atroz Watanabe, conhecido pela alcunha “O Pássaro”. A disenteria e beribéri eram doenças constantes. A certa altura a autora recorda que na Europa morria um por cada cem prisioneiros de guerra, no Japão morria um por cada três prisioneiros de guerra.
Como é do conhecimento geral, com o lançamento das bombas nucleares, o Japão foi derrotado e os prisioneiros, apesar da política japonesa de matar todos os prisioneiros de guerra caso houvesse um simples boato de invasão norte-americana, foram libertados e regressaram para casa em Outubro de 1945.
Como seria de esperar o período do pós-guerra foi extremamente complicado devido às recordações e aos traumas sofridos. Zamperini foi considerado herói nacional, casou-se, começou a dar palestras mas sempre embebido em álcool e tabaco e envolveu-se em vários negócios sem obter qualquer sucesso. A sua situação só melhorou quando em 1949 encontrou na religião uma forma de perdoar e recomeçar a sua vida.
Tal como na obra anterior da autora, "Seabiscuit", também foi realizado um filme baseado em “Invencível”. Foi em 2014 que Angelina Jolie adaptou esta história de um homem levado ao limite do humanamente suportável. Apesar de não ter ficado desapontado esperava um pouco mais do filme. Em termos sonoros, visuais e de fotografia, está excelente, mas o desenvolvimento da história torna o filme longo e pouco dinâmico. Em termos globais, Angelina Jolie segue à risca o conteúdo do livro e consegue imprimir à história uma parte significativa do que está patente no livro.
Acaba de ser lançado o nono álbum de originais de uma das bandas que sempre apreciei: Belle & Sebastian. Sem surpreenderem, apesar de apostarem mais em ritmos dançáveis e recuperarem referências retro dos anos 80, continuam a rechear os seus trabalhos com canções bonitas, impecavelmente interpretadas. É com frequência que recorro à sua discografia e à recordação do único concerto destes escoceses que tive o prazer de assistir em Junho de 2006 (fotos abaixo).
Quatro alentejanos costumam ir pescar há muitos anos, sempre na mesma época, montando um acampamento para o efeito. Este ano, a mulher do João bateu o pé e disse que ele não ia. Profundamente desapontado, telefonou aos companheiros e disse-lhes que, desta vez, não podia ir porque a mulher não deixava.
Dois dias depois, os outros chegaram ao local do acampamento e, muito surpreendidos, encontraram lá o João à espera deles e com a sua tenda já armada.
- Atão, João, comé que conseguisti convencer a tua patroa a deixar-te viri?
- Bêm, a minha mulheri tên estado a ler "As Cinquenta Sombras de Grey" e, ontem à nôte, depois de acabar a última página do livro, arrastô-me para o quarto. Na cama, havia algemas e cordas! Mandô-me algemá-la e amarrá-la à cama e depois disse: Agora, faz tudo o que quiseres...
E Ê ... VIM PESCARI !!!
A “Crónica do Rei Pasmado” tem como cenário a Espanha do séc. XVII, época dominada fortemente pela Inquisição. Trata-se de uma sátira brilhante e mordaz em que Ballester, numa narrativa bastante humorada, expõe a hipocrisia que germina nas classes detentoras de poder, expondo características psicológicas e comportamentos, descarnando personagens que vão desde os altos cargos do clérigo (aqui destacaria especialmente o ambicioso e implacável padre Villaescusa) às simples “marafonas”.
Esta estória, onde se encontram disseminadas numerosas piscadelas de olho à História, inicia-se com uma visita do ingénuo e inseguro Rei Filipe IV de Espanha, III de Portugal, na altura com 20 anos, “às meninas”, ajudado pelo amigo, conde Peña Andrada. Deslumbrado com a visão da meretriz Marfisa totalmente nua, com a perfeição das suas curvas e após “4 cópulas e um fracasso”, que constituem o “limite que os teólogos põem aos exageros da carne”, mete na cabeça que há-de observar a nudez da Rainha (Isabel de Bourbon) e não se inibe de manifestar publicamente esse desejo.
Ora, os severos costumes impostos pela Inquisição impedem o Rei de manter um relacionamento íntimo com a Rainha e assim a Igreja imediatamente salta em defesa do pudor, da reserva e dos bons costumes, e dá-se uma feroz luta pelo poder entre aqueles que lhe estão próximos, o que origina posições antagónicas. Por um lado, os súbditos que defendem que o Rei não podia ver a esposa nua: “O homem pode aceder à mulher com fins de procriação e, se os seus humores lhe exigirem, para os acalmar, mas nunca com intenções levianas, como seria a de contemplar nua a própria esposa” (página 44); “Acha que a Graça do Senhor se manifesta no coito? Ou na contemplação desses horríveis penduricalhos das fêmeas que se chamam peitos? Ou prefere que a contemplação se verifique pelas costas, evidentemente contra natura?” (página 67). Numa posição contrária, assume-se que o Rei tem toda a legitimidade para observar a nudez da esposa “…porque de camisas de noite cumpridas e de disputas para que as levantem um pouco mais, estamos nós tão cansados como elas” (página 50).
Adicionalmente e em relação ao primeiro grupo mencionado desenvolve-se a ideia de que, ao deixar-se o Rei levar a sua avante, será o povo inocente que pagará pelos seus pecados e por isso a Espanha perderá a guerra que está a travar nos Países Baixos e, de igual modo, a frota oriunda das Índias não chegará em segurança ao porto de Cádis.
O Santo Tribunal da Inquisição entra em cena, são criadas quatro comissões para solucionar o problema (o que mostra que isto de criar comissões já é um fenómeno bastante antigo), aparece um padre jesuíta português, a prostituta Marfisa é perseguida por “suspeitas de endemoninhamento”, encontramos uma Rainha com uma camisa de noite recomendada pelos clérigos por conter a expressão “Vade Retro Satanás” e um primeiro-ministro Valido que considera que “deitar com judias é melhor que queimá-las” e a quem no trono interessa um Rei fragilizado, sem voz activa. Até ao final assiste-se a muitos debates teológicos, querelas populares e intrigas palacianas num ambiente onde o “cheiro a enxofre corrobora a presença do Diabo”.
Tive curiosidade em assistir à versão cinematográfica do filme (El Rey Pasmado, de 1991), realizada por Imanol Oribe, e constatei que se trata de uma fiel reprodução de toda a obra embora em jeito de peça teatral onde, tal como acontece com o livro, se saboreia uma linguagem colhida directamente da época. Além disso, observa-se uma minuciosa reconstituição dos objetos, traquejos e vestimentas bem como a transposição da ideologia existente no período histórico considerado. Conta com a participação do português Joaquim de Almeida entre diversos actores espanhóis. Não resisto a mencionar o pormenor delicioso relacionado com a cara aparvalhada do Rei, cujo actor no filme (Gabino Diego) é incrivelmente semelhante ao retrato do Rei Filipe IV, feito em 1623 pelo precursor do impressionismo Diego Velázquez e que abaixo se reproduz.
Também não resisto a comentar a primeira cena do filme: um padre observa no telescópio corpos celestes e, para sua surpresa, vê corpos femininos, nus, girando no espaço e em volta do que se supõe ser o Sol. Tal visão enuncia a transformação que sucederá ao final da trama. Esta cena diz respeito à descoberta de Galileu Galilei: a Terra gira em torno do Sol, e não o contrário, como dizia a Igreja.
O filme mostra que no confronto das duas formas de se interpretar a realidade, a dogmática e a científica, a grande maioria das personagens retratadas demonstra ter consciência da não relação entre o pecado do rei e a derrota de uma batalha.